A Sibipiruna – Por Angela Puppim – Diário de Niterói
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A Sibipiruna – Por Angela Puppim


Angela Puppim


Fragmentos do Agorar – Crônicas do Cotidiano

Angela Puppim – Escritora


A Sibipiruna

Nesses tempos de pandemia e de confinamento, sem vida social fora da tela, tenho reinventado o tempo. Tempo de viver o agorar-se em silêncio e profunda reflexão sobre a humanidade, tão desumana!  Tempo de meditar, de sorver a vida a conta-gotas, de ler aquela pilha de livros que mofavam na estante suplicando o nosso olhar.

Numa tarde dessas me dedicava à leitura do Livro A Louca da Casa, de Rosa Monteiro, quando comecei a ouvir muitos estalos, vindos da janela. Curiosa e um pouco a contragosto, absorvida que estava na leitura que não queria interromper, fui ver o que ocorria lá fora. Identifiquei que os estalos vinham da árvore plantada na calçada do prédio.

Lá estava ela: a frondosa árvore com os galhos de pouquíssimas folhas. Mas os estalos pareciam vir do contato daqueles galhos com os fios elétricos que os perpassavam impiedosamente.

Nossa! Tenho que avisar o síndico, pensei, assim posso evitar um curto-circuito e consequente falta de energia. Mas, ao mesmo tempo, temendo as consequências de uma poda impiedosa. Com o objetivo de buscar um aliado que encorajasse a minha decisão, chamei meu companheiro para ver a árvore e os estalos, que espalhavam e arrancavam as poucas folhas ainda restantes. Às gargalhadas, ele me revelou que eram as vagens da árvore, que com o forte calor estalavam ao se abrir, jogando ao vento inúmeras sementes.

Um encantamento tomou conta de mim. Como, num cenário tão sombrio, a natureza seguia seu ritmo!? Como, em plena selvageria urbana, em meio à fiação elétrica, nada a impedia de espalhar suas sementes?

Por uma semana escutei o estalar das vagens com grande alegria, presságio de novos tempos ­­­— ouvi-los me fazia esperançar. Sempre ao final das tardes, debruçada na janela, ficava me enamorando daquela árvore teimosa e bela. Passado um período, o estalar cessou e voltei à rotina de “suspender o tempo”.

Ontem, por curiosidade, e devo confessar, uma certa saudade daquele espetáculo, fui à janela e contemplei novamente a árvore. Lá estava ela, irreconhecível, plena, fértil na sua florescência. Não havia um só espaço nos galhos que fosse visível, exibia-se repleta de folhas verdes e flores amarelas que brilhavam como a luz do sol. Mostrava-se ­­­— ousada, transgressora, bela!

Ao desviar o olhar para o calendário abandonado na parede, o mês exibiu-se para mim: era setembro. A Primavera voltou, cumprindo seu ciclo, apesar das dores. Lembrei-me então de um pequeno verso de Cecília Meireles: “Aprendi com as Primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre Inteira”.

Ao chegar ao final deste texto, sou uma cronista inconformada: não consegui descrever, nem expressar tamanha beleza e os devaneios, reflexões, sonhos e utopias que o episódio me provocou.

Volto ao livro A Louca da Casa e encontro consolo em Rosa Montero:  

“São manhosas as Palavras, e rebeldes, e fugidias. Não gostam de ser domesticadas. Domar uma Palavra (transformá-la num clichê) é acabar com ela. (…) Mas no ofício de romancista há uma coisa muito mais importante que o tilintar de palavras, e é a imaginação, os devaneios, essas outras vidas fantásticas e ocultas que todos temos”.

A árvore concreta, símbolo maior da natureza me levou a ter aquela “esperança equilibrista, me conduziu a uma paixão e amor pela vida, com suas loucuras, suas fantasias e sonhos.

Aceitando a rebeldia das Palavras, e sem a pretensão de domesticá-las, fico com o “tilintar da árvore Sibipiruna” em mim.

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