Coluna Cinema



Por Rudá Lemos


  

Para a ditadura não voltar: Belo documentário é esse “Torre das Donzelas” que está nos cinemas. Susanna Lira combina os relatos das presas políticas sobreviventes do regime militar com a visita delas de um espaço que simula a cadeia em que ficaram e cenas encenadas em docudrama de suas vivências e estratégias de resistência lá dentro diante de tanto terror. É um filme que não tem a menor cerimônia em mostrar que pretende sensibilizar o espectador, relatando a ele não apenas a dor da tortura, a abordagem mais imediata para o assunto, mas principalmente a relação que se dava entre as prisioneiras: como elas faziam para suportar a privação de liberdade.

Talvez nessa postura tão sensibilizadora inibe um pouco a potência crítica de um discurso político mais incisivo, que relacione aquele momento político com a atual democracia falha em que estamos, limitadora dos direitos ao povo pobre e negro e que recentemente golpeou a personagem que se destaca neste filme que é Dilma Rousseff.

Todavia, é inegável a qualidade da construção narrativa do documentário e a combinação dos depoimentos com as cenas encenadas, revelando um período histórico deprimente do Brasil que precisa não só ser revisitado psicologicamente em simulação encenada, como exorcismo de demônios, mas também reconhecido por todos aqueles que renegam ver sua gravidade refletida nos dias de hoje.

Festival do Rio 2019 pede ajuda: Com o mínimo de doação de R$ 20 e com direito a brindes, a organização do Festival do Rio abre sua campanha de financiamento após sucessivos cortes orçamentários do governo e de patrocinadores que ameaçam a sua existência. Não deixe de contribuir para manter esse que é o grande evento de cinefilia do Rio de Janeiro!

Ainda sobre “Bacurau”: aproveitando para informar que a película de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles superou 500 mil de espectadores pelo Brasil e mais de 8 mil só no Cine Arte UFF de Niterói, digo que revi o filme, dessa vez no tradicional Odeon do Centro do Rio. Rever filmes é sempre um importante ato cinéfilo para ampliar os sentidos, ainda mais de uma obra tão alegórica e carregada de simbolismos como esta. Percebi desde “Fora Temer” pixado nas ruas nos vídeos em que o personagem Pacote comete crimes, até coisas mais significativas que, inclusive, vão de contra o que escrevi no último comentário sobre o filme.

Na coluna anterior, eu tinha dito que o instinto de sobrevivência diante da violência que forja um senso de comunidade na cidade, o que é um descuido da minha percepção: desde o início do filme há uma organização interna que não depende do Estado (de prefeito pouco apreciado): o professor que distribui doação de cestas básicas, a travesti que avisa a chegada de estranhos, a música de Sergio Ricardo (“Bicho da noite”) que cita a cidade sendo cantada por todos – a propósito, belo show que Niterói recebeu em seu Teatro Municipal no dia 27/09 com repertório deste músico e cineasta que tantas trilhas sonoras marcantes compôs para o cinema brasileiro. Já existia desde o começo essa comunhão entre aquela sociedade, que é ampliada com a resposta que dão para o ataque que sofrem. 

De qualquer forma, o filme é mesmo fabuloso e um marco na história do cinema nacional. Segue alguns textos que ampliam seu debate e importância: “Bacurau parece figurar desde o início uma evidente afirmação da vida” (Marcelo Magalhães); “extraordinário remix do imaginário hollywoodiano com a tradição do Cinema Novo” (Ivana Bentes); “O cinema de afeto foi enterrado, não sobrou mais nada que não seja a gente” (João Pedro Faro).

Cinema do BRICS: Até 9 de outubro acontece a 4a. edição do Festival de Cinema do BRICS e pela primeira vez o Brasil recepciona a mostra, com Niterói sendo escolhida a sede. Na programação: exposições, fóruns, exibição de filmes, mostra competitiva e cursos (com inscrições esgotadas) sobre a história do cinema dos outros quatro países que compõe o bloco: Rússia, Índia, China e África do Sul. As atividades acontecem no Reserva Cultural, Cine Arte UFF e IACS/UFF. De destaque as sessões de “Ganga Bruta”, de Humberto Mauro acompanhadas com Orquestra Sinfônica Nacional da UFF nos dias 4/10 (19h), e 5 e 6/10 (10h30)

Últimas estreias e destaques em cartaz: chegam nos cinemas filmes com excelente potencial. James Gray, diretor dos consagrados “Amantes” e “Os Donos da Noite”, aterrisa com “Ad Astra – Rumo às Estrelas“, sua primeira ficção científica em que Brad Pitt viaja para o espaço em busca do pai. Segundo Marcelo Hessel, o filme “nunca perde de vista o mundano e portanto o milagre, no gesto de fé que é a exploração espacial”. /// Uma das estreias nacionais é “Sócrates“, primeiro longa de Alex Mattos, sobre um adolescente gay que tem que lidar com a pobreza e a morte da mãe. Em elogio, Bruno Carmelo diz que o filme “foge tanto à lamentação da miséria quanto à martirização do protagonista”. /// Embarcando na popularidade das cinebiografias, também chegou obra sobre a icônica apresentadora Hebe Camargo: “o filme não se torna necessariamente uma investigação fiel sobre as entranhas do fim da censura na TV, mas oferece muitas camadas sobre o processo de manutenção de mitos e lendas” (Francisco Carbone). /// E para gosta de um filme trash, “Predadores Assassinos” de Alexandre Aja é um terror de monstro que empolgou Marcelo Miranda (“É uma alegoria da superação da infância e do passado”). /// “Filhas do Sol”, “Pyewacket – Entidade Maligna” e “O menino que fazia rir” são outros estreias que podem até ser boas, mas não me empolgam demasiado. 

Ainda em cartaz, destaca-se “Midsommar — O mal não espera a noite“, terror psicológico do diretor do ótimo “Hereditário”; “A tabacaria“, sobretudo por ter uma das últimas atuações do brilhante Bruno Ganz, recém-falecido; “Aconteceu na quarta-feira“, último filme de Domingos Oliveira; “Pássaros de Verão“, do diretor do fantástico “O Abraço da Serpente” e, principalmente, “O fim da viagem, o começo de tudo“, do maestro Kiyoshi Kurosawa, que por passagem breve de uma semana no Cine Arte UFF, acabei perdendo e agora só resta assistir no Estação Botafogo. /// Em exibição única, na quarta, 2/10, às 15h, tem cineclube Cine República na Biblioteca Parque de Niterói, em que vai ser exibido “Fevereiros”, filme que trata a relação da Maria Bethânia com a Mangueira.

“Para tocar no espaço sideral”: Talvez quem trabalhe na NASA saiba mais de planetas e espaço do que cinema, mas muito interessante o vídeo em inglês da BBC News sobre filmes sci-fi recomendados por mulheres cientistas da instituição. Foram citados “Perdido em Marte”, “Estrelas Além do Tempo”, “Apollo 13” e “Star Trek”. Entre os piores são lembrados “Armageddon”, “Missão: Marte”, “Planeta dos Macacos”, “Spaceballs” e o comumente elogiado (e que eu também detesto) “Gravidade”.

Brevíssimos frames: Excelente edição da revista moventes sobre a situação do cinema brasileiro em nosso contexto político com textos sobre “Bacurau”, “Era uma vez em Brasília”, “O Mecanismo”, “Polícia Federal” e Carlos Reichenbach, além de cobertura das duas últimas Mostras de Cinema de Tiradentes.. /// Vem novo filme de um dos melhores cineastas surgidos no século XXI: começaram as filmagens na Colômbia de “Memoria“, primeiro filme registrado fora da Tailândia de Apichatpong Weerasethakul, com Tilda Swinton e que promete ser mais uma viagem onírica. /// Divulgado novo trailer do filme vencedor do Festival de Berlim deste ano: “Synonyms“, ainda sem data de estreia no Brasil, mas que deve ser exibidos nos festivais do Rio e São Paulo,

Salve Almodovar: Para finalizar a coluna dessa semana, segue video do leão de ouro de honra dado para Pedro Almodovar no último Festival de Veneza. Ele que completou 70 anos no último 25 de setembro. Segundo o gênio na ocasião do prêmio: “jamais me preocupei em ter um estilo próprio. Não penso no mercado ou no público quando elaboro minhas histórias. Se tenho um estilo é resultado das circunstâncias. Meu cinema é produto da democracia espanhola”. Almodovar lançou esse ano um dos melhores filmes dele, “Dor e Glória”, que é ele pisando no freio desse estilo característico para fazer um ensaio sóbrio, biográfico e metalinguístico sobre a importância da arte como superação de doença e sofrimento. 


Sobre o autor: Formado em Jornalismo e Filosofia, para Rudá Lemos o mundo só começou a fazer sentido quando ele se encantou com a magia do cinema. Desde então são quase 30 anos de paixão fiel: filmes que movem a vida e a vida que se move como um filme. Com gosto amplo que vai desde a simplicidade crítica de Charles Chaplin até a austeridade contemporânea de Pedro Costa.

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