Inusitada Leveza

Moradora na rua das Estrelas em Icaraí e apaixonada por Niterói, tardiamente tornei-me escritora, o que tem me rendido muitas…

Angela Puppim


Fragmentos do Agorar – Crônicas do Cotidiano

Angela Puppim – Escritora


Moradora na rua das Estrelas em Icaraí e apaixonada por Niterói, tardiamente tornei-me escritora, o que tem me rendido muitas alegrias, tal como esse convite do Márcio Kerbel, Editor do Diário de Niterói, para eu assinar uma Coluna de Crônicas, inicialmente com periodicidade mensal, nesse Portal.

Ah, não conhecem a Rua das Estrelas? Esse foi o primeiro nome da Rua onde moro, em Icaraí. Fiquei encantada com esse nome de batismo da Rua. Tomei conhecimento dele ao ler a placa afixada na esquina da Rua com a Praia de Icaraí, transcrevo os seu dizeres:

Rua Mariz e Barros

Ao projetar a Cidade Nova de Icaraí, em 1841, permitiram-se os legisladores municipais um momento de Poesia, batizando como Rua das Estrelas este logradouro. Durou pouca a denominação, mudada em 1868 para Mariz e Barros, homenagem ao jovem capitão-tenente da Marinha Antônio Carlos Mariz e Barros, nascido em 1835 no Rio de Janeiro e morto aos 29 anos no Combate de Itapiru, durante a Guerra do Paraguai e da tradição que nesse trecho de Icaraí residiu o militar, em sua infância e adolescência.”

Um sonho imediatamente passou por minha cabeça. Imaginei trocar todas os nomes das Ruas de Icaraí, devolvendo-lhes a Poética do Espaço de uma Cidade Sonhada. Não seria lindo, ver a Rua Paulo Gustavo cercada por ruas com Nomes Estelares, atraindo cotidianamente os Raios de Sol e o Brilho da Lua? Transformando a Cidade numa Constelação Luz-Amor? Nessa Cidade, o ódio não teria espaço, o amor estaria sempre a brilhar!

Desde o dia que li a Placa, passei a assumir a nova identidade de minha Rua: sou moradora da Rua das Estrelas, bem pertinho da esquina da Rua Paulo Gustavo, em Icaraí, Niterói, RJ.

Agora, devidamente apresentada a todes, com meu endereço Estelar e tudo mais, início a minha 1ª Crônica.

Inusitada Leveza

Nessa pandemia tenho tido as melhores companhias, a Literatura, os livros, a escrita e a natureza têm me deslocado os pensamentos, me feito devanear, suspender o tempo. Esse hábito cotidiano tem sido um ato de resistência, a tudo que aí está, um governo federal nazifascista, negacionista, em plena crise sanitária do COVID, o que leva ao Genocídio do povo brasileiro em curso no país.

Viver isso, conviver com o medo, com a morte de quase 500.000 brasileiros (as), ver crescer a miséria, a violência doméstica e contra as mulheres, o ódio estimulado e sem limites destilado cotidianamente, tem sido um desafio diário de meu Agorar e de todos nós que não negamos a Ciência e colocamos a Defesa da Vida em primeiro lugar, em nossas prioridades individuais e coletivas.

Esse hábito de ler e escrever tem me aliviado a angústia, a desesperança e me nutrido de pequenas esperanças equilibristas.

Também, o contemplar a Natureza, o Céu, o Voo dos Pássaros e sentir a brisa do Mar.

Isso quebra parte de meus medos. O verde do mar e das montanhas me acalma, a resistência e a resiliência enfim começam a sustentar o agorar-me nesses tempos sombrios. De minha janela na Rua das Estrelas, vejo um pedacinho de Mar, uma pequena paisagem da Montanha, onde o Forte São Luiz surge pousado sobre ela.

Dos livros que li, um tem me feito par constante “Rubem Braga – o lavrador de Ipanema – crônicas de amor à natureza.” Este livro contém uma primorosa seleção de crônicas que celebra o amor de Rubem Braga pela natureza, evidenciado em pequenas histórias de contundente delicadeza.

Busco em Rubem Braga, o Cronista, a inspiração para dar meus primeiros passos nesse estilo literário.

…mestre de escrever verdades universais como se fossem coisas passageiras e sem importância. Nenhum outro escritor brasileiro abraçou a crônica – esse gênero entre a prosa e a poesia – como lugar ideal, onde se está bem à vontade para fazer a ficção do cotidiano (Sobre a Natureza pag. 10 do citado livro).

Talvez por eu estar cultivando esses hábitos, esse cotidiano, é que o convite de Escrever Crônicas para o Diário de Niterói me pareceu uma sincronicidade da vida.

Assim, aqui estou eu redigindo essa Crônica, a primeira, de muitas que virão.

A Inusitada Leveza chega quando, eu, vacinada contra a COVID (Viva o SUS!), me permito dar pequenas caminhadas matinais na Praia de Icaraí.

Assim, munida de máscara N95 e álcool gel, saio da Rua das Estrelas, atravesso a Rua da Praia de Icaraí, já movimentada nessa manhã, desço nas areias e caminho bem junto ao Mar.

Sinto os grãos de areias a acariciar meus pés, a água agitada em doce espuma a banhá-los.

Deixo o olhar contemplar toda a paisagem, ouço o gorjear de pássaros, que rodopiam ao redor de um barco pesqueiro que desliza suas redes sob a cadência doce do salgado mar. Uma canoa havaiana e seus velejadores cortam o mar na linha do horizonte. O Pão de Açúcar e o Cristo Redentor fazem companhia ao MAC e pairam sobre a Cidade.

Sinto o sol, o corpo vibrando, a leveza invadir o dia.

Quando me dou conta, estou frente a frente com a Pedra de Itapuca a Pedra Furada, ou Pedra que Ri, em Tupi Guarani.

Lembro que li sobre a Lenda da Pedra de Itapuca:

Lenda da Índia Jurema e do Guerreiro Cauby: diz a história que depois que Cauby e Jurema foram mortos por viver um romance proibido pela tribo dela, Jacy (a Lua) pediu a Tupã que transportasse o casal para o interior da pedra, de forma que os apaixonados ficassem eternamente juntos.”

Penso no conservadorismo tão em voga nos tempos atuais e sinto, com certo aperto no peito, que retrocedemos, mil anos luz…

Contemplo a Pedra, peço ajuda aos Espíritos de Jurema e Cauby, rogo que inundem com o seu amor a Cidade, o Brasil, nos traga a leveza de amar o outro, como a si próprio.

Meu olhar é surpreendido com o aceno de um pequeno ousado arbusto, que se sustenta exuberante, com leveza, no topo da Pedra de Itapuca.

Foto: Luiz Gavri

Ali do outro lado da rua, a cidade murmura, com seus ruídos, o ranger dos ônibus, o buzinar de carros e dentro da selva de pedra, seguem os viventes, pobres seres “humanos”, melancólicos, curtidos em mesquinhos ódios, insensíveis às dores, ao amor que insiste, com sua Inusitada Leveza a nos convidar a mudar.

No entanto, naquele mesmo instante, meu olhar se fixa no atrevido arbusto, que teima em produzir vida, instável equilibrista, embalado pelo canto do mar, encrustado numa pedra escura, habitada por espíritos viventes em eterno amor e minha mente lembra o finalzinho da Crônica O Mato, de Rubem Braga:

…Por um instante, o homem voltou seu pensamento para a cidade e sua vida. … Ainda bem que de todas as grandes cidades do mundo o Rio é a única a permitir a evasão fácil para o mar e a floresta. Ele estava ali num desses limites entre a cidade dos homens e a natureza pura; ainda pensava em seus problemas urbanos – mas um camaleão correu de súbito, um passarinho piou triste em seu ramo, e o homem ficou atento àquela humilde vida animal e também à vida silenciosa e úmida das árvores, e à pedra escura, com sua pele de musgo e seu misterioso coração mineral… (Rubem Braga – O Lavrador de Ipanema – Crônicas de Amor à Natureza – O Mato – pag.86)

Nessa manhã de Inusitada Leveza o pequeno arbusto, nascido na Pedra de Itapuca, se encontrou com a Literatura de Rubem Braga, e desse encontro eu, uma cronista de primeira viagem, vivi um momento de leveza e paz, e, escrevi a minha primeira crônica para a Coluna que passo a assinar. Vou batizá-la de “Fragmentos do Agorar – Coluna de Crônicas do Cotidiano, do Diário de Niterói.

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