Estudo revela baixa qualidade de informações sobre Diabetes Mellitus na internet
De acordo com a Federação Internacional de Diabetes, o Brasil ocupa a sexta posição mundial entre os países mais acometidos pelo Diabetes Mellitus (DM) em adultos entre 20 e 79 anos. Com mais de 15 milhões de brasileiros diagnosticados com a doença, o acesso à informação correta é fundamental para garantir qualidade de vida aos pacientes e apoiar os profissionais de saúde.
Em junho, quando se celebra o Dia Nacional do Diabetes, uma pesquisa realizada na Universidade Federal Fluminense (UFF) chama atenção para os perigos da desordem informacional em saúde: a maioria dos conteúdos digitais sobre o tratamento farmacológico do diabetes apresenta baixa qualidade, imprecisão ou até dados enganosos, segundo o estudo. A tese “Avaliação da informação sobre tratamento farmacológico do Diabetes Mellitus em tecnologias digitais no Brasil”, da farmacêutica Dra. Thais Ribeiro Pinto Bravo, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas a Produtos para a Saúde da Faculdade de Farmácia (PPGCAPS-UFF), analisou publicações feitas entre 2021 e 2023 em aplicativos de saúde, websites e redes sociais, como Instagram, TikTok, YouTube e Facebook. A partir do uso das ferramentas Discern Questionnaire e Mobile Application Rating Scale (MARS), que fazem análise de qualidade de informação e tecnologia, a pesquisa classificou a maioria desses conteúdos como ruins ou muito ruins.
“A nossa pesquisa conseguiu pegar todo o ciclo da informação, desde a informação produzida até o momento da recepção, e ligar os pontos. O que mais nos preocupa é identificar que mais de 80% dos domicílios brasileiros têm acesso à internet e mais da metade da população busca informação sobre saúde e medicamentos nesse meio, principalmente em mídias sociais, mas as informações disponíveis não possuem qualidade suficiente e podem prejudicar quem as consome”, afirma a doutora Thais Bravo.
O DM é uma doença metabólica crônica caracterizada por níveis elevados de glicose (açúcar) no sangue e se apresenta sob diferentes classificações. As mais prevalentes são: o tipo 1, geralmente diagnosticado ainda na infância ou adolescência, quando se observa a produção mínima ou a ausência da produção da insulina; o tipo 2, mais comum em adultos, caracterizado pela resistência à insulina e/ou baixa produção do hormônio; e o diabetes gestacional, identificado como qualquer grau de intolerância à glicose registrado durante a gravidez.
Qualidade da informação sobre medicamentos para diabetes na Internet
O estudo desenvolveu uma análise da qualidade da informação relacionada a medicamentos de diabetes encontrados em apps, websites e mídias sociais. De acordo com os dados coletados, a rede social Twitter (“X”) continha 91% das informações classificadas como muito ruim, assim como Facebook (69,7%), Instagram (64,4%) e Youtube (46,7%). Já no TikTok, aproximadamente 52% dos vídeos foram classificados como “ruim”. Essa disposição mostra a dificuldade que o usuário enfrenta para encontrar fatos seguros e cientificamente comprovados.

Classificação de qualidade da informação sobre tratamento farmacológico do Diabetes Mellitus em apps, websites e mídias sociais brasileiras.
“Ver essa quantidade de publicações com baixa qualidade nas principais ferramentas traz um choque de realidade. É uma constatação do que hoje a gente vive e de como as tecnologias digitais impactam na área da saúde”, relata a pesquisadora.
Entre os aplicativos de saúde analisados sobre a qualidade geral, nenhum dos seis apps recebeu classificação de excelência, enquanto dois foram classificados como aceitáveis e quatro como ruins. Um deles, inclusive, continha informações incorretas sobre mecanismos de ação e benefícios do tratamento. Por serem ferramentas voltadas para a saúde, esses apps produzem a sensação de segurança e respaldo científico, mas a tese destaca que as informações disponíveis não apresentam nenhuma regulamentação quanto à qualidade, acarretando em um espaço de difusão de conteúdos incompletos, incorretos ou falsos.
Em uma outra frente da pesquisa, a autora analisou o conteúdo específico de algumas postagens com a existência de desinfodemia. Esse fenômeno é marcado pelo excesso de informações falsas ou imprecisas, criadas para causar danos, que circulam de forma acelerada nas redes. Os dados apontam que a desordem informacional é comum em todas as plataformas digitais avaliadas. No Instagram, por exemplo, 27,5% das postagens analisadas sobre medicamentos indicados e 44,8% sobre tratamentos não farmacológicos continham desinformação.
Rotulagem irregular e marketing
O trabalho também avaliou a rotulagem de um produto, amplamente divulgado na internet como tratamento para o diabetes e tido como uma suposta cura para a doença – fato que não encontra respaldo científico, já que, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes, não há comprovação de nenhuma cura para a doença além do controle por meio de atividades físicas, alimentação e tratamento medicamentoso específico.
Segundo Bravo, esse caso foi o mais impactante no processo de pesquisa, principalmente por se tratar de um produto livre e por ser facilmente encontrado para compra na internet e em lojas de departamento. “O rótulo desse produto traz muita informação que, na verdade, é classificada como desinformação e o ato comercial pode acabar impactando os pacientes diabéticos. O produto mostra que está de acordo com determinada legislação, determinada resolução, e no final não tem nada disso. É uma mentira explícita que as pessoas não checam. É venda livre, sem regulamentação daquele produto, que não é classificado como um medicamento”, afirma.

Exemplo de publicação classificada como desinformação utilizado na tese.
Além de desinformar, produtos como esse podem induzir à substituição de tratamentos comprovados por alternativas perigosas. A banalização da linguagem científica e o uso de termos como “cura”, “100% natural” ou “sem contraindicações” aparecem de forma recorrente nas embalagens e materiais promocionais, levando os consumidores a acreditar na veracidade. Para Sabrina Calil, orientadora da tese e professora do Departamento de Farmácia e Administração Farmacêutica, essas questões podem provocar graves impactos no sistema de saúde.
“Um indivíduo leigo na área de saúde, que não tem letramento digital, pode pensar ‘Poxa, é mais fácil, é mais barato, não preciso ir no posto e a pessoa aqui diz que vai curar’. E a realidade é que isso pode impactar nos sistemas de saúde, porque esse indivíduo vai acabar sofrendo com a complicações do diabetes e isso vai ter um impacto no SUS”, destaca Calil.
Quem busca informação na internet?
Além da análise do conteúdo, a pesquisadora aplicou um questionário on-line com 659 participantes, entre pacientes diabéticos e cuidadores. O levantamento revelou que 65,4% das pessoas buscam informações sobre tratamento do diabetes na internet e mais de 70% disseram ter recebido alguma notícia falsa sobre diabetes, com adultos reportando mais do que idosos.
A pouca proximidade de pessoas da terceira idade com a cultura e a linguagem digital é um dos pontos que realça a relação com a dificuldade de identificar e difundir notícias falsas. A barreira de aproximação e o excesso de informação faz com que esse público fique à mercê da manipulação de terceiros nas redes.
No geral, apenas 37,8% das pessoas afirmaram saber identificar notícias falsas usualmente, o que reforça a urgência de ações educativas. “O acesso à tecnologia foi mais rápido do que o letramento e alfabetização das pessoas na internet. Então, a maioria das pessoas não vai refletir, não está refletindo, se aquela informação é boa ou não. Ela só quer curar os males dela. Essa reflexão é que a gente precisa estimular. É letramento digital, é regulamentação, proposta de lei falando sobre isso, é muita coisa que a gente precisa discutir para ontem”, diz Bravo.
Vale destacar que nessa situação das fake news, tem-se uma condição limitante referente à identificação dos casos: pessoas com maior facilidade de interpretação digital conseguem verificar se a informação é verdadeira mais facilmente.
Da ciência para a sociedade
Como resposta a esse cenário de desinformação e baixa qualidade da informação, a pesquisadora desenvolveu materiais educativos digitais em formato de memes, com linguagem acessível e foco em temas como indicação, riscos, reações adversas, interações medicamentosas, uso de medicamentos disponíveis no SUS, entre outros. A proposta é usar a linguagem das redes sociais para promover educação em saúde de forma segura e baseada em evidências.

Meme sobre insulinoterapia. Reprodução: Arquivo Pessoal
“Depois de olhar tudo, identificar todas as problemáticas, eu pensei: ‘O que podemos devolver para a sociedade?’. Identificamos no meme, que é uma ferramenta que hoje tem um certo alcance e impacto em todas as esferas, um meio de disseminar esse conteúdo. Toda a construção foi pautada na literatura científica, com informações respaldadas pelos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas do Ministério da Saúde e pelos documentos e diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes”, destaca Thais.
A professora Calil aponta o importante papel da universidade nesse âmbito, reforçando a necessidade da produção e difusão de material informativo e educativo acessível. “A universidade entra nesse papel de divulgar a informação adequada, cientificamente respaldada pra isso, e acho que a gente também não pode esquecer dos frutos que virão na forma das pessoas que a gente está formando, no profissional que lida diretamente com o paciente e cuida para que não se reproduza a desinformação”, completa a orientadora.

Thais Bravo durante a defesa da tese com orientadoras e a coordenadora do CEATRIM. Reprodução: Arquivo Pessoal
A professora reforça que assuntos como o da pesquisa são constantemente debatidos dentro de sala com o objetivo de formar profissionais preocupados com a valorização da humanização dentro dos estudos científicos e atentos às questões que afetam a sociedade.
CEATRIM transforma conhecimento científico em informação acessível
A UFF dispõe de um Centro de Apoio à Terapia Racional pela Informação sobre Medicamentos (CEATRIM/UFF), projeto vinculado à Faculdade de Farmácia, que atua na produção e divulgação de conteúdos confiáveis, claros e cientificamente embasados sobre medicamentos. No site é possível encontrar serviços como a solicitação de informação, onde a equipe do laboratório se disponibiliza a responder dúvidas, e o requerimento de palestras realizadas pelo Centro sobre a importância do uso racional de medicamentos.
Os materiais educativos desenvolvidos por Thais Bravo, com suporte de alunos da graduação, estão disponíveis nas redes do projeto, com o objetivo de ofertar para a população informações adequadas e comprovadas sobre o diabetes.
Thais Ribeiro Pinto Bravo é doutora em Ciências Aplicadas a Produtos para a Saúde pela Universidade Federal Fluminense (2024). Mestre em Ciências Aplicadas a Produtos para a Saúde pela Universidade Federal Fluminense (2020). Graduada em Farmácia pela Universidade Federal Fluminense (2019). Atualmente é Analista de Inovação na Eretz.bio a hub de Inovação do Hospital Israelita Albert Einstein e é Docente Convidada no Programa de Pós-graduação Lato Sensu Residência em Farmácia Hospitalar da UFF para ministrar a Disciplina de Farmacologia Clínica.
Sabrina Calil-Elias possui graduação em Farmácia Industrial pela Universidade Federal Fluminense (1996), mestrado em Ciências Biológicas (Farmacologia e Química Medicinal) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1999) e doutorado em Ciências Biológicas (Farmacologia e Química Medicinal) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2004). Atualmente é professora titular da Universidade Federal Fluminense. Tem experiência nas áreas de Farmacologia Experimental (cicatrização tecidual) e Farmácia Clínica.
Quer enviar uma queixa ou denúncia, ou conteúdo de interesse coletivo, escreva para noticia@diariodeniteroi.com.br ou utilize um dos canais do menu "Contatos".