Ideologia, eu quero uma pra viver

Busco ânimo no escritor Oscar Wilde, que tão bem definiu esses tempos que estamos vivendo: “Estamos todos na lama, mas…

Angela Puppim

Fragmentos do Agorar – Coluna de Crônicas do Cotidiano

Por Angela Puppim – Economista e Escritora.

Plagiando Belchior em “Sujeito de Sorte”, eu também posso me considerar uma pessoa de sorte. Mas tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro; nestes quatro anos eu morri, mas este ano eu não morro…  

Sinto-me, atualmente, tal qual Cazuza quando o  poeta cantou seu desalento diante de um mundo sem causas para lutar na canção “Ideologia”, de 1988.

(...)  Pois aquele garoto que ia
mudar o mundo
Agora  assiste a tudo
em cima do muro
Meus heróis morreram de overdose e meus inimigos estão
no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver.

Eu também quero uma Ideologia pra viver.

Sabemos que com a crise econômica dos anos 80 e a desagregação do mundo comunista, as ideologias teriam perdido status. Essa percepção ficaria mais clara após a Queda do Muro de Berlim, quando o liberalismo prevaleceu sobre o sistema comunista. Decretou-se o fim do trabalho, bem como o fim das ideologias.

 O sociólogo/filósofo Zygmunt Bauman expressou esta ausência de ideologia através do conceito de Modernidade Líquida. Vivemos tempos de Modernidade Líquida, em que o individualismo, o neoliberalismo, o desprezo aos mais pobres, aposentados, mulheres, negros, LGBTQIA+, indígenas, refugiados, imigrantes, aqueles que não são alvo do consumo, sofrem um apagamento histórico, um verdadeiro extermínio, com as consequentes volta da pobreza, da fome,  da exclusão social, com o ressurgimento do neonazismo e do neofascismo, de golpes contra as democracias, de guerras hibridas de dominação capitalista.

No Brasil, o neoliberalismo excludente nos foi imposto por um golpe em nossa democracia em 2016. Vivenciamos, desde então, um tempo de perdas de direitos, de soberania, de barbáries, seguido de genocídios contra o povo pobre, os povos originários, e de destruição implacável do meio ambiente. O negacionismo em relação à ciência levou à morte por Covid mais de 678.000 pessoas no Brasil. Grande parte dessas mortes poderia ter sido evitada.

Um tempo de fanatismo religioso, em que numa chamada Marcha para Jesus, transformada em ato político na campanha eleitoral em curso, apoiadores do candidato à reeleição à Presidência da República pelo PL o recepcionaram com uma arma gigante, símbolo de sua campanha. O ato organizado por setores da igreja evangélica, que o apoiam, conseguiu juntar em um só ato o louvor ao improvável, ao impensável: toda a violência e morte simbolizadas pelas armas, palavras de ordem de intolerância religiosa e política. Tudo isso afronta a mensagem do amor e da vida pregada na Bíblia por Jesus.

Estamos vivendo tempos sombrios no Brasil; em vez da celebração da festa cívica do processo eleitoral, presenciamos momentos de grande risco à normalidade democrática, com afronta às instituições da República e ameaças aos resultados das eleições, com questionamentos infundados e desacompanhados de provas, que põem em cheque a lisura de nosso já consagrado e respeitado processo eleitoral. Perante embaixadores do mundo inteiro, assistimos ao deprimente comportamento do atual presidente, que expôs o Brasil ao maior vexame internacional de sua história.

Setores organizados da sociedade civil, instituições e cidadãos comuns assinaram, em finais de julho, um Manifesto, suprapartidário, organizado pela Faculdade de Direito da USP — Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito —, que, neste momento em que escrevo, já ultrapassa meio milhão de adesões.

Aderiram ao Manifesto segmentos expressivos da sociedade brasileira, tais como a Federação das Indústrias, dos Bancos, CNBB, ABI, representantes do Judiciário; um amplo espectro da sociedade se pronuncia em defesa de nossa democracia e se coloca em vigília cívica contra as tentativas do atual presidente e candidato à reeleição de dar um golpe em nossa democracia, e bradam de forma uníssona: Estado Democrático de Direito Sempre!!!

Como resistir? Como não sucumbir à sensação de impotência? Como lutar para mudar tudo isso? É possível? De que forma?

Friedrich Nietzsche, o filósofo, nos alerta: “Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não se tornar também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você”. Convoca-nos a estar alertas para os perigos de, ao combater a intolerância, a barbárie dos tempos atuais, nos igualarmos aos monstros, aos sociopatas.

O pacifista Martin Luther King Jr segue na mesma vertente do filósofo alemão: “A lei do olho por olho acaba por deixar todo mundo cego”; “Pela violência você pode matar um assassino, mas não pode matar o assassinato. Pela violência pode matar o mentiroso, mas não pode estabelecer a verdade. Pela violência pode matar uma pessoa odiosa, mas não pode matar o ódio. A escuridão não pode extinguir a escuridão. Só a luz pode”.

Busco ânimo no escritor Oscar Wilde, que tão bem definiu esses tempos que estamos vivendo: “Estamos todos na lama, mas alguns de nós olham para as estrelas”. Sim, quero convocar os que como eu, mesmo diante do caos e da barbárie, olham para as estrelas. Recorrendo aos nossos contemporâneos, trata-se daqueles que, com Aldir Blanc e João Bosco, têm aquela Esperança Equilibrista, e o Esperançar militante de Paulo Freire.

A voz de Manuel Alegre, poeta português, junta-se a essas tantas outras vozes em seu poema “Letra para um hino”, para trazer palavras de ânimo e resistência, nesses tempos líquidos e desumanos a que estamos assistindo com muita dor e apreensão.

É possível falar sem um nó na garganta
é possível amar sem que venham proibir
é possível correr sem que seja fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.
É possível andar sem olhar para o chão
é possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros
se te apetece dizer não grita comigo: não.
É possível viver de outro modo. É
possível transformares em arma a tua mão.
É possível o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.
Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre livre livre.

Brecht,  outro gigante da palavra, nos estimula à reflexão e nos convoca a ação — a lutar para mudar o mundo:

Nada é impossível de mudar
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.

Convoco a todes para que façamos diferente, para que militemos pelo amor. O Amor como um ato pode ser uma nova ideologia, como ensinou bell hooks em seu livro Tudo sobre o amor, uma convocação política para a revolução. Para além dos clichês, bell hooks nos ensina a militar por uma nova prática de luta política, uma forma de agir no mundo daqui para frente. Ou seja, insiste em nos convocar à luta, amando como um ato revolucionário, não sucumbindo à intolerância, ao poder e ao ódio.

Em outubro próximo, teremos eleições presidenciais, e podemos decidir se não vamos mais sofrer, se não vamos nos deixar matar, se não vamos morrer de overdose fascista.

Vamos lutar para que o amor vença o ódio, a intolerância e o fascismo. Essa luta já está em curso, temos que militar pelo voto no amor, no voto consciente, pela inclusão e contra o extermínio, pela nossa democracia e por nossa liberdade, contra a barbárie. Vamos virar votos. O momento é este.

Meu voto é em Luiz Inácio Lula da Silva. Sem medo de ser feliz de novo.

Seu voto também é decisivo para mudar tudo isso.

Sua escolha também será entre a barbárie e a democracia.

Faça a sua escolha consciente.

Faça de seu voto um ato de amor! Porque o amor é revolucionário.

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