UFF Responde: Junho vermelho e doação de sangue – Diário de Niterói
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UFF Responde: Junho vermelho e doação de sangue


Solidariedade, empatia e saúde. Esses são apenas alguns dos frutos que a doação de sangue pode gerar para todas as pessoas envolvidas no gesto e apenas uma bolsa doada pode salvar até quatro vidas. No entanto, esse hábito ainda é pouco cultivado pela população e, por isso, a campanha Junho Vermelho foi criada para conscientizar sobre a importância da doação sanguínea.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), apenas 1,6% dos brasileiros doaram sangue em 2023. Apesar da quantidade de doadores estar entre a faixa recomendada no país, de 1% a 3% do total da população, ela ainda é considerada baixa dadas as proporções continentais do Brasil. Além disso, são diversos os motivos que podem impactar o estoque de bolsas de sangue: época de férias escolares, feriados prolongados e períodos mais frios ou mais chuvosos que o habitual podem refletir em quedas de 10% a 15% nos bancos, indica o Instituto Estadual de Hematologia Arthur Siqueira Cavalcanti (Hemorio).

Por esse motivo, o Hemorio promove com frequência eventos que estimulam a doação de sangue no estado. Em 2023, a campanha “Numanice tá no sangue”, feita com a cantora Ludmilla, bateu recorde no instituto com mais de 500 doações de sangue apenas no primeiro dia em troca de ingressos. No ano seguinte, em foi realizada a campanha “Influ do Bem”, que arrecadou quase duas mil bolsas no total. Já em abril deste ano, em parceria do Hemorio com o Projeto Trote Cultural da Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Superintendência de Documentação (SDC), parte da recepção de calouros da UFF estimulou a doação de sangue no Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap-UFF), em Niterói. A campanha “Sangue salva vidas, livros salvam mentes” removia a suspensão dos alunos na biblioteca em troca de doações.

Para falar sobre a importância de iniciativas como essas e o serviço de centros de hematologia, a professora Fernanda Azevedo, do Departamento de Medicina Clínica da UFF, responde algumas perguntas sobre a rotina da doação e transfusão de sangue no Rio de Janeiro.

Como o Junho Vermelho e outras campanhas de doação ajudam a aumentar a adesão de doação de sangue no país?

Fernanda Azevedo: Existem duas grandes campanhas de doação que são referentes a datas comemorativas: o Junho Vermelho, pois o dia 14 de junho é o Dia Mundial do Doador de Sangue, e o 25 de novembro, que é o Dia Nacional do Doador. Elas realmente são eficazes para aumentar a doação e a conscientização sobre o assunto.

O que pode explicar o baixo nível de doadores de sangue entre os brasileiros?

Fernanda Azevedo: Não temos a cultura e a consciência de fazer a doação de sangue. Isso deveria ser uma coisa que a gente aprende desde criança, como uma maneira de contribuir para a sociedade e ajudar todo mundo, até porque um dia pode ser que a gente precise. Geralmente, as pessoas só doam sangue quando algum conhecido pede, por conta de alguma cirurgia ou a partir de uma campanha nas redes sociais. Somos um povo solidário, se a pessoa for convidada a doar, ela vai. Então é preciso disseminar mais a importância de contribuir, independente se for para alguém conhecido ou não. Outra coisa que explica os dados baixos de doação de sangue divulgados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é o fato do país ser muito heterogêneo. A média do Brasil é 1,6%, mas aqui no Rio de Janeiro menos de 1% da população doa sangue. Enquanto isso, em Fortaleza ou Santa Catarina o estoque quase sempre está positivo. 

Quais medidas sociais e governamentais poderiam ser adotadas para ampliar esse número?

Fernanda Azevedo: Eu acho importante começar na base e fazer um trabalho nas escolas, com crianças e jovens, para que futuramente eles sejam adultos acostumados a fazer a doação e influenciar os pais. Em relação às divulgações do governo, elas existem, mas ainda são poucas. É preciso que o Ministério da Saúde faça uma campanha contínua, porque a necessidade de sangue também é contínua, o ideal é que o estoque nos hemocentros seja sempre confiável e constante. Falar sempre sobre isso serve para lembrar e criar conscientização de que a doação de sangue é um ato de solidariedade e importante para toda a comunidade, que pode ser feito duas ou três vezes ao ano.

Quais são as situações, acidentes, doenças e condições mais comuns que levam as pessoas a precisarem de doação de sangue?

Fernanda Azevedo: Principalmente situações de emergência, como acidentes de trânsito ou casos de violência urbana. Porém, grande parte das transfusões é de pacientes com alta complexidade, por exemplo, aqueles internados em centros de terapia intensiva, com doenças hematológicas, em tratamento de câncer, casos de transplantes e doenças que exigem transfusões frequentes durante toda a vida… Outro fator é que a população do Brasil está envelhecendo e, com isso, surgem as doenças próprias de idades mais avançadas, que, dependendo da complexidade dos procedimentos, podem consumir muito sangue. Alguns bebês também usam nas unidades de terapia intensiva neonatais. Por isso, é necessário ter muito sangue estocado para a utilização de todos.

Sabemos que a doação de apenas uma pessoa pode salvar até quatro vidas. Como isso acontece?

Fernanda Azevedo: Uma bolsa de sangue total, como chamamos, pode salvar até quatro vidas, porque a gente separa os componentes: as hemácias, o plasma, a plaqueta e o crioprecipitado. A partir do momento que o sangue é coletado, ele vai para um laboratório de tipagem sanguínea, onde são feitos os exames de biologia molecular para identificação de doenças que podem ser transmitidas pelo sangue. É nesse momento também que ele é fracionado. Assim que os resultados ficam prontos e todas as sorologias estão negativas, a doação vai para outro estoque até alguém precisar usar. Quando chega o pedido de transfusão, são feitos outros testes de compatibilização do sangue do paciente que vai receber com o sangue do doador e, apenas então, o procedimento é feito. E depois ainda observamos para garantir que não tenha nenhum tipo de reação à transfusão.

Em relação aos requisitos para doação, qual a importância de segui-los? De que forma eles impactam nas características do sangue do doador?

Fernanda Azevedo: Os fatores que exigem a doação foram criados para proteger quem recebe o sangue e para proteger o próprio doador. É preciso ver se quem faz a ação não tem nenhuma doença ou se pode haver uma intercorrência e passar mal, da mesma maneira que não podemos passar um sangue contaminado. Se alguém está resfriado, por exemplo, não pode doar sangue, porque está com vírus e se a pessoa que receber tiver uma imunossupressão, ela pode ser muito prejudicada. Ou então alguém com problema cardíaco quer doar, mas não pode, porque tirar o sangue dessa pessoa pode comprometer a saúde dela. Os critérios são para proteção, mas conforme a evolução da medicina, eles podem mudar também.

E como ocorre a adaptação dos critérios ao longo dos anos?

Fernanda Azevedo: Um exemplo clássico é a idade de doação de sangue. Antigamente, era apenas de 18 a 60 anos, porém às vezes alguém já considerado idoso é uma pessoa saudável, sem doenças e já doava sangue antes, então, hoje, ela pode continuar doando até os 69 anos. Será que no futuro não podemos aumentar para 70, 75 anos? São critérios como esse que podem ser reavaliados. Outra coisa que nos preocupa muito com a doação de sangue é a chamada janela imunológica: quando já existe uma infecção, mas o teste ainda não é capaz de detectar. Por esse motivo, pedimos para esperar um período após ter tido uma doença para realizar a doação. Atualmente, esse tempo já foi reduzido através da melhoria nos testes. A nossa legislação em relação aos fatores de triagem já tem mais de 10 anos e precisa de uma revisão, até porque novas situações também ocorrem, como foi com o surgimento do zika vírus e da Covid-19. Aparentemente, a vigilância sanitária está trabalhando nisso junto ao Ministério da Saúde. Acreditamos que a adequação desses critérios e o avanço da tecnologia podem garantir mais segurança para todos.

Em caso de falta de estoque de bolsas de sangue nos hemocentros, quais são as consequências?

Fernanda Azevedo: Às vezes acontece de zerar um tipo de sangue específico, aqueles que têm mais saída. De repente chega um paciente acidentado ou baleado e uma só pessoa usa todas as bolsas de sangue. Até conseguir mais, demora. Há períodos em que a quantidade de estoque é crítica, e infelizmente temos que suspender o atendimento de alguns casos e priorizar as urgências. Um dos primeiros passos é suspender as cirurgias eletivas, o que também é ruim, porque às vezes a pessoa está há anos na fila para realizar um procedimento e, quando consegue ser internado, precisamos adiar porque não tem sangue. Se ainda continuar baixo o estoque, também deixamos de atender as pessoas que estão mais estáveis, que ocorre quando a pessoa precisa de transfusão, mas ainda está relativamente bem e pode esperar mais um pouco, para dar prioridade às pessoas que correm riscos emergenciais. Esses casos acontecem com bastante frequência, principalmente em épocas de feriados prolongados.

Existem muitas inovações e tecnologias na área de hematologia e hemoterapia. Quais são as perspectivas futuras?

Fernanda Azevedo: Não tem como deixar de falar de processos cada vez mais automatizados que aumentam a segurança da transfusão de sangue e de todas as outras operações. A área também tem caminhado para o uso da inteligência artificial na hemoterapia, o que ajuda nas campanhas de doação, desde a triagem dos doadores mais compatíveis até encontrar os locais onde as pessoas têm maior probabilidade de doar sangue. Há estudos sobre sistemas para detectar a reação transfusional tanto de quem recebe quanto de quem doa, e preveni-las. Tem também os óculos de realidade virtual que estamos testando para distrair o doador na hora da doação, caso a pessoa tenha medo de agulha. E, por fim, estão surgindo tecnologias que preveem a necessidade de sangue em cirurgias específicas, como de coluna ou cardíacas, antecipando a necessidade ou não da transfusão de sangue para o paciente.

O Brasil conta com 32 hemocentros estaduais que podem receber doação de sangue. Para doar em Niterói, o banco de sangue da cidade (Hemonit), no Huap, realiza o procedimento de segunda a sexta, das 7h30 às 16h, na Avenida Marquês de Paraná, 303 – Centro. O telefone de atendimento ou para agendar a doação é (21) 2629-9063 ou (21) 99796-8879 (somente WhatsApp).

Quem pode doar?

  • Pessoas entre 16 e 69 anos (os menores de 18 anos devem ter autorização dos responsáveis e os maiores de 60 devem ter doado sangue em outros momentos da vida);
  • Quem pesa acima de 50 kg;
  • A pessoa deve estar alimentada de refeições leves e não gordurosas nas quatro horas que antecedem a doação, ter repousado bem na última noite e apresentar documento de identificação emitido por órgãos oficiais.

Quem não pode doar?

  • Pessoas com gripe, resfriados e outras infecções;
  • Pessoas com sífilis, malária, doença de chagas ou Aids;
  • Quem tenha tomado antibiótico nos últimos 15 dias;
  • Vacinados contra Influenza nos últimos dois dias OU vacinado contra Covid-19 nos últimos sete dias;
  • Alcoolistas ou quem tenha ingerido bebidas alcoólicas ou usado maconha nas últimas 12 horas;
  • Pessoas que fizeram tatuagem, piercing ou maquiagem definitiva nos últimos 6 meses (no caso de piercing em cavidade oral ou região genital, deve-se aguardar 12 meses após a retirada);
  • Pessoas com diabetes;
  • Grávidas, com suspeita de gestação ou amamentando (ao menos que o parto tenha sido há mais de 12 meses);
  • Acompanhados de crianças ou sem acompanhantes na hora da doação.

O intervalo entre as doações é:

  • Para homens: 60 dias, máximo de quatro doações por ano
  • Para mulheres: 60 dias, máximo de três doações por ano
  • Para homens e mulheres entre os 60 a 69 anos: 180 dias, máximo de duas doações por ano.

Fernanda Azevedo é professora do Departamento de Medicina Clínica da UFF, na área de Hematologia e Hemoterapia. Graduada na UFF (1995,) também possui mestrado (2005) em Clínica Médica/Hematologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutorado (2009) em Oncologia pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca). É especialista em gestão de hemocentros pela ENSP (Fiocruz) e em gestão de emergências em saúde pública pelo IE Sírio Libanês.

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