Uso da inteligência artificial no combate às chuvas extremas no Rio de Janeiro
Os eventos climáticos extremos causam grandes impactos sociais, econômicos e ambientais, como no caso das fortes chuvas que castigaram várias áreas do Rio de Janeiro nos últimos anos. Diante desses efeitos, o grupo de pesquisa RioNowcast+Green, coordenado pela professora do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Mariza Ferro, desenvolveu o Índice de Vulnerabilidade a Chuvas Extremas (IVCE). O índice foi criado no âmbito do projeto Rio60°, uma colaboração entre o grupo e o jornalista científico Thiago Medaglia (Ambiental Media), com apoio do Instituto Serrapilheira, do Pulitzer Center e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
A pesquisa estuda os usos e as aplicações da Inteligência Artificial (IA) na contenção dos impactos das fortes chuvas no município do Rio de Janeiro, a fim de auxiliar na prevenção e contenção de danos causados pelos eventos climáticos extremos e colaborar para a tomada de decisão no âmbito da administração pública. O grupo reúne estudantes de diferentes níveis, desde a iniciação científica até o pós-doutorado, contribuindo, além da formação técnica, com uma formação cidadã, capaz de sensibilizar os jovens cientistas para os efeitos reais das mudanças climáticas sobre a população mais vulnerável.
“O que mais tem motivado esses estudantes é o forte impacto social do projeto. Eles enxergam na prática como é possível usar a tecnologia, especialmente a inteligência artificial, unida à discussão sobre mudanças climáticas, ética e bem-estar social, para causar uma transformação positiva. Isso oferece a eles não só uma formação técnica, mas também uma formação cidadã muito significativa. Além da computação e IA, eles precisam interagir com áreas como meteorologia, hidrologia, geologia, conversar com especialistas de outras áreas para conseguir construir soluções que façam sentido. Essa multidisciplinaridade é essencial hoje em dia para a formação de qualquer pessoa que vá trabalhar com tecnologia e sociedade”, destaca a coordenadora.

Foto tirada no workshop de lançamento do projeto RioNowCast+Green no Instituto de Computação da UFF. Reprodução: Linkedin do Instituto de Computação UFF.
Ferramenta analisa riscos sociais e geográficos
Um dos principais produtos da pesquisa, o IVCE, lançado em abril deste ano, cruza dados de geolocalização, infraestrutura urbana e riscos geológico e socioeconômico. A combinação de ciência da computação, inteligência artificial e jornalismo científico levou à tradução dos resultados acadêmicos em visualizações acessíveis, ampliando a capacidade de comunicação e influência da pesquisa junto à sociedade civil e aos gestores públicos. Desenvolvido para identificar com mais precisão onde estão os maiores riscos e vulnerabilidades, a ideia é que seja um índice de síntese, baseado em três aspectos fundamentais: social, econômico e ambiental.
Segundo Ferro, o IVCE começou a ser trabalhado para adequar o conceito de chuva extrema para as especificidades do Rio de Janeiro. “Quando usamos os números da Organização Meteorológica Mundial, encontramos uma definição padronizada, um número que define o que seria uma chuva extrema, e essa definição está distante da realidade humana. Por exemplo, se caírem 50 milímetros (mm) de chuva em uma hora em Copacabana, e a mesma quantidade cair na Rocinha, o impacto é completamente diferente. Então, é preciso descolonizar esse olhar, inclusive sobre o que é considerado um evento extremo.”

Mapa de risco mostra as áreas de vulnerabilidade a alagamentos, deslizamentos e a enchentes na cidade do Rio de Janeiro. Reprodução: Site Rio 60º
O impacto das chuvas nas regiões mais afetadas
No Rio de Janeiro, fortes chuvas têm causado grande impacto nas estruturas urbanas, atingindo especialmente a população mais vulnerável, que reside em comunidades e áreas de risco. O IVCE revelou que 599 mil domicílios particulares no Rio estão vulneráveis a deslizamentos e inundações. Destes, praticamente 25% estão em áreas de vulnerabilidade muito alta. O levantamento também apontou que dos 60 mil domicílios vulneráveis a deslizamentos, 10 mil estão em áreas de risco muito elevado.
O Índice também identificou regiões críticas como Santa Teresa (onde ocorreu o último grande desastre climático da cidade em 2010) com 532 domicílios em áreas de risco para deslizamento, sendo 41,7% deles em risco muito alto. Nas comunidades do Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, de 3 mil moradias em risco, 899 estão em alta vulnerabilidade. Já na Rocinha, dos 10 mil domicílios sob alerta, 1,4 mil estão sob risco muito alto de deslizamento. Em janeiro de 2024, as fortes chuvas que atingiram o Rio de Janeiro resultaram na morte de quatro pessoas e causaram danos a mais de 20 mil residências nos bairros de Acari, Pavuna e Irajá.
Nessas regiões da Zona Norte, o IVCE identificou cerca de 31,3 mil moradias (34%) em áreas de alta vulnerabilidade para inundações, sendo 7,5 mil delas classificadas como de vulnerabilidade muito alta. Na Zona Oeste, o loteamento Jardim Maravilha, em Guaratiba, registrou um dos maiores índices da cidade, com 61% das 7,3 mil casas em alta vulnerabilidade, incluindo 2,5 mil em nível muito alto. Já em Rio das Pedras, comunidade localizada em Jacarepaguá, 5,1 mil domicílios (16%) estão em áreas de alta vulnerabilidade para inundações, e 2,2 mil apresentam risco muito alto.

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Próximas etapas
Com os primeiros resultados do IVCE divulgados, o projeto RioNowcast+Green avança rumo a uma nova etapa, marcada pela ampliação do uso de IA para o enfrentamento de eventos climáticos extremos. No que diz respeito às chuvas, o foco agora é tornar os mapas de risco mais dinâmicos a partir de uma previsão meteorológica e que seja possível identificar, de forma automatizada, o nível de risco em cada área. Essa abordagem permitirá maior precisão na antecipação de desastres, contribuindo para a tomada de decisões rápidas.
Além disso, a inteligência artificial será utilizada para criar modelos de simulação voltados à definição de rotas de fuga seguras e à avaliação da capacidade de resposta de comunidades vulneráveis. A próxima fase do projeto inclui, ainda, a integração de novos indicadores relacionados à capacidade adaptativa da cidade, como a presença de sirenes, pontos de apoio e outras estruturas já mapeadas, compondo um índice mais completo.
Paralelamente, a iniciativa Rio60° entra em um novo ciclo voltado ao aprimoramento de seus indicadores, desta vez com foco no calor extremo e no mapeamento de ilhas de calor. Para Ferro, essa próxima etapa “não apenas avança do ponto de vista científico e tecnológico, como também representa um novo paradigma na formação de pesquisadores, dado que o projeto exercita a visão científica e cidadã dos estudantes envolvidos, ao mesmo tempo em que empodera a sociedade para enfrentar a crise climática”, conclui.
Mariza Ferro: Professora do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense (UFF) na área de Inteligência Artificial (IA). Coordenadora do Núcleo de Referência em IA Ética e Confiável e do grupo de pesquisa RioNowCast+Green, e também pesquisadora apoiada pelo Instituto Serrapilheira e APQ1 Faperj. Doutora em Modelagem Computacional pelo Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) atuando na área de Computação Científica Distribuída de Alto Desempenho. Possui graduação em Ciência da Computação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2002) e mestrado em Ciências da Computação e Matemática Computacional pela Universidade de São Paulo (2004) em aprendizado de máquina relacional – programação lógica indutiva. Fez seu pós-doutorado pelo projeto High Performance Computing for Energy (Programa Horizon 2020 União Europeia-Brasil) desenvolvendo pesquisas em análise de desempenho e consumo de energia e caracterização de simulações científicas.
Por Maria Luíza Alves
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