
Projeto da UFF impulsiona a chegada da TV 3.0 ao Brasil
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou no dia 27 de agosto o decreto que oficializa a chegada da TV 3.0, também chamada de DTV+, ao Brasil. A nova geração da televisão aberta promete revolucionar a forma como os brasileiros consomem conteúdo, ao oferecer imagem em ultra-alta definição, som envolvente e recursos de interatividade, até então restritos a serviços pagos de streaming. Com expectativa de estrear para o público já na Copa do Mundo de 2026, a tecnologia será implantada de forma gradual e deve levar cerca de 15 anos até alcançar todo o país.
Entre os protagonistas dessa revolução está a Universidade Federal Fluminense (UFF), que propôs a Linguagem NCL 4.0, uma das bases do novo sistema, elaborada no Laboratório MídiaCom. O trabalho, coordenado pela professora do Instituto de Computação, Débora Christina Muchaluat Saade, é resultado de décadas de pesquisa em televisão digital, envolvendo professores, estudantes e parceiros de outras instituições.
“É incrível poder desenvolver inovações na universidade que venham a ser usadas pela sociedade. Saber que nossa proposta de NCL 4.0 estará implementada em todos os receptores de TV digital no Brasil é fantástico e muito motivador”, destaca a pesquisadora.
O que é a TV 3.0?
A TV 3.0 inaugura uma nova fase da radiodifusão brasileira, com um modelo que aproxima a televisão aberta da lógica das plataformas digitais. A ideia é que os canais deixem de ser apenas transmissões lineares e passem a funcionar como aplicativos, acessados por controle remoto e adaptados ao perfil de cada telespectador.
Segundo Débora Muchaluat Saade, a mudança vai muito além da qualidade de imagem e som: “O modelo 3.0 é a nova geração da TV aberta brasileira. Ela vai substituir, com um tempo de transição, a TV digital que nós temos hoje. Isso significa uma melhor qualidade de vídeo, com imagem em 4K, e também um áudio baseado em objetos, que permitirá ao usuário escolher, por exemplo, qual narrador ouvir durante um jogo ou até destacar um instrumento musical em um show”.
Outro diferencial da TV 3.0 é a integração entre o televisor e outros dispositivos conectados à rede doméstica. Embora não seja necessário ter acesso à Internet para usufruir das melhorias de imagem em 4K ou 8K e do som imersivo, a conexão amplia consideravelmente a experiência do usuário ao abrir espaço para recursos, como a interação com uma segunda tela.
“É como se a TV deixasse de ser passiva e se tornasse personalizada, feita exclusivamente para cada pessoa. Em vez de alterar a imagem que está na tela principal, serviços adicionais ou informações direcionadas podem ser enviados diretamente para o celular do telespectador”, explica a professora Débora Muchaluat Saade.

Tela principal da DTV+. Imagem: Livro de Minicursos do WebMedia 2025.
Para o público, isso significa ter em casa um equipamento híbrido, que une a robustez da radiodifusão, capaz de alcançar milhões de lares sem depender da infraestrutura de rede, às facilidades de um ecossistema conectado. Com isso, a televisão aberta se fortalece diante da concorrência de plataformas de streaming, mantendo sua relevância social.
NCL 4.0: a contribuição da UFF
A participação da UFF no projeto é central. A universidade é responsável pela NCL 4.0, linguagem de autoria que possibilita grande parte das funcionalidades interativas da TV 3.0. A tecnologia é uma evolução da Nested Context Language (NCL), uma linguagem de criação de conteúdos multimídia interativos, já incorporada ao sistema do padrão brasileiro de TV digital desde 2007.
“Um dos diferenciais da NCL 4.0 é o suporte multiusuário, que oferece a possibilidade de oferecer assistência a diferentes perfis de telespectadores, adaptando a aplicação e o conteúdo conforme o perfil. Também traz a interação multimodal, por meio de comandos de voz, gestos ou até rastreamento do olhar. Além disso, é possível controlar efeitos sensoriais, como aroma ou luz, junto ao conteúdo transmitido”, detalha Débora.
A NCL 4.0 não surgiu do nada: ela é fruto de anos de pesquisas realizadas no Instituto de Computação desde os anos 2000, orientadas pela professora Débora Muchaluat Saade e desenvolvidas no Laboratório MídiaCom. Contribuições de teses de doutorado e dissertações de mestrado foram incorporadas ao projeto, transformando conhecimento acadêmico em inovação aplicada.
“Esse projeto já envolveu vários alunos ao longo dos anos e as contribuições científicas dos trabalhos produzidos foram incorporadas na NCL 4.0, que é um software registrado pela UFF”, explica a coordenadora Débora Muchaluat Saade.

Aplicações da televisão imersiva. Imagem: Revista da SET n.129 – GT TV 3.0.
A pesquisa segue em expansão, com novos estudantes engajados no processo. “Hoje, temos alunos de mestrado e doutorado envolvidos na colaboração do projeto. Um deles é o Rodrigo Sodré, que começou na graduação e agora está no mestrado, e trabalha na integração dos efeitos sensoriais com aplicações em HTML5. Ele atua diretamente na implementação da parte do receptor para dar suporte ao conceito de TV imersiva”, completa.
De acordo com Muchaluat Saade, esse processo evidencia a força da universidade pública brasileira como espaço de produção tecnológica de ponta. Ao mesmo tempo, mostra como a pesquisa acadêmica pode dialogar diretamente com demandas da sociedade ao produzir soluções que serão usadas em escala nacional por milhões de brasileiros.
Estrutura e parcerias do projeto
O desenvolvimento da TV 3.0 começou em 2020, organizado pelo Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTVD). Desde então, o trabalho foi dividido em fases, que envolveram chamadas públicas para propostas, testes de campo, harmonização das tecnologias aprovadas e desenvolvimento de protótipos. A UFF esteve presente em todas elas, além de outras universidades brasileiras.
“O fórum SBTVD tem a participação de vários setores da sociedade: emissoras, indústrias de transmissores, receptores, software e também da academia. São reuniões semanais realizadas há cinco anos para planejar e propor esse novo sistema”, explica Débora. “Essa integração garante que as soluções sejam viáveis técnica e economicamente, ao mesmo tempo em que preservam a diversidade de interesses envolvidos”, complementa.
O projeto TV 3.0 conta com financiamento do Ministério das Comunicações e a pesquisa liderada por Débora na UFF tem apoio de diferentes agências de fomento, como, por exemplo, CNPq, CAPES, FAPERJ e Finep. “Nossas pesquisas são financiadas pelos órgãos de fomento brasileiros, estaduais e federais, o que colaborou bastante. Esse suporte foi essencial para custear equipamentos, bolsas de estudo e infraestrutura laboratorial”, afirma a professora.
A participação estudantil também é um ponto de destaque. Alunos de graduação, mestrado e doutorado participam de todas as etapas, desde a concepção até a prototipagem, com o objetivo de fortalecer a pesquisa e mostrar a força do projeto como espaço de formação de recursos humanos de qualidade, especialistas em computação, redes e multimídia.
Resultados e demonstrações
Os avanços já foram apresentados ao público em diversos eventos, aproximando a pesquisa da sociedade. Em agosto, os pesquisadores da UFF foram ao SET EXPO 2025, um dos maiores eventos de tecnologia e negócios de mídia e entretenimento da América Latina, em São Paulo, para uma demonstração dos resultados obtidos.
“A nossa demonstração focou na integração da programação audiovisual com efeitos sensoriais e também na recepção de vídeo 360 com óculos de realidade virtual. A reação do público foi muito positiva, as pessoas ficaram impressionadas ao ver que tudo foi desenvolvido dentro de universidades públicas brasileiras”, contou a pesquisadora.
Nessa ocasião, os visitantes puderam vivenciar a chamada “TV imersiva”, que combina imagem e som a estímulos sensoriais como luz e aroma. O recurso depende da conexão com dispositivos inteligentes, como lâmpadas, difusores e óculos de realidade virtual, todos controlados pela linguagem NCL 4.0.

Rodrigo Sodré, Débora Muchaluat Saade e Joel dos Santos na SET EXPO 2025. Foto: Arquivo Pessoal.
O projeto conta ainda com a colaboração do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ), sob coordenação do professor Joel dos Santos — ex-aluno da UFF e orientando da professora Débora Muchaluat Saade. Ele desenvolveu a extensão NCL 360, voltada para conteúdos em vídeo 360 interativo, que complementa e expande as funcionalidades da NCL 4.0. A parceria amplia as possibilidades da televisão do futuro ao transformar a sala de estar em um espaço multimídia imersivo e personalizado.
Impacto social e futuro
Mais do que inovação tecnológica, a TV 3.0 tem potencial para gerar impactos sociais significativos. Um dos destaques é a possibilidade de integrar serviços públicos diretamente à televisão. “Além dos aplicativos das TVs, o governo oferecerá uma plataforma de acesso a serviços por meio da TV, com destaque para o gov.br, que será o primeiro ícone disponível ao telespectador no âmbito do DTV+”, afirma Débora.
A funcionalidade facilitará o cotidiano da população, permitindo desde a emissão de documentos até consultas em plataformas do governo sem necessidade de computador ou celular. Para pessoas com menor familiaridade digital, a TV pode se tornar a porta de entrada para o acesso à cidadania online.
Outro impacto será na acessibilidade. A TV 3.0 prevê recursos como legendas adaptadas, segunda tela em Língua Brasileira de Sinais (Libras) e segmentação de alertas de emergência por região. Isso significa mais inclusão para pessoas com deficiência e mais segurança em situações de risco, reforçando o papel da televisão como serviço público.
Com a chegada dos primeiros receptores prevista para 2026, o desafio será garantir uma transição justa, acessível e bem comunicada. Para a coordenadora do projeto, o caminho está apenas no início: “O nosso objetivo sempre foi transformar ciência em algo que pudesse ser usado pela sociedade, e a TV 3.0 mostra que isso é possível. Ela abre caminho para novas formas de comunicação e para um futuro cada vez mais interativo e inclusivo. É por meio de projetos como esse que a universidade pública mostra sua força e seu compromisso com a sociedade”.
Débora Christina Muchaluat Saade possui graduação em Engenharia de Computação (1992), mestrado em Informática (1996) e doutorado em Informática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2003). É professora titular da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrou o corpo docente do Departamento de Engenharia de Telecomunicações até maio de 2009 e desde então faz parte do corpo docente do Instituto de Computação. É bolsista de produtividade DT nível 1D do CNPq e Cientista do Nosso Estado (CNE) pela FAPERJ. Foi Jovem Cientista do Nosso Estado (JCNE) de 2009-2011 pela FAPERJ. Fundou o Laboratório MídiaCom na UFF em 2003 com foco em pesquisas em redes de computadores e multimídia (www.midiacom.uff.br) e desde então é uma das coordenadoras do laboratório. É membro do Conselho da Sociedade Brasileira de Computação (SBC). É membro do Conselho e do Módulo Técnico do Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital. Participou do desenvolvimento da linguagem NCL – Nested Context Language – adotada como padrão ABNT NBR 15606-2 no middleware GINGA do Sistema Brasileiro de TV Digital e como recomendação internacional do ITU-T H.761 para serviços IPTV e propôs a versão 4.0 de NCL, integrante da TV 3.0, futura geração da TV aberta brasileira.
Por Alícia Carraceno.
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