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UFF Responde: mobilidade urbana no Rio de Janeiro


Como seria um dia em que ninguém utiliza carros? O cenário que parece fictício foi, na verdade, idealizado por um movimento internacional que levou à criação do Dia Mundial Sem Carro, marcado pela data de 22 de setembro. A iniciativa estimula discussões sobre o tema que perpassa o cotidiano de todos os indivíduos: a mobilidade urbana.

O movimento, adotado pelo Brasil em 2001, teve início em cidades europeias na década de 1970, enquanto acontecia a crise do petróleo na região. Hoje, o assunto mostra-se cada vez mais relevante com o crescimento populacional nas áreas urbanas, os trânsitos conturbados de grandes centros e os debates sobre sustentabilidade e preservação ambiental.

De acordo com a Pesquisa de Mobilidade da População Urbana, publicada em outubro de 2024 pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), o uso de transportes coletivos pelos brasileiros, principalmente os ônibus, diminuiu de 49,8% para 31,7% em sete anos. Por outro lado, o aumento de meios de locomoção individuais nas vias, sejam motos, carros ou transportes por aplicativos, acentuaram ainda mais tais problemas nas cidades do país.

Para discorrer sobre a temática e os impactos do contexto atual da mobilidade urbana para a população do Rio de Janeiro, convidamos o professor do departamento de Administração da Universidade Federal Fluminense, Aurélio Lamare Soares Murta, mestre e doutor em Engenharia de Transportes.

Qual a importância de discutir mobilidade urbana nos dias atuais?

Aurélio Murta: A mobilidade urbana organiza o acesso ao trabalho, saúde e educação, reduz custos logísticos, emissões poluentes e desigualdades sociais. Além disso, a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) fixa prioridades, como o transporte coletivo e a integração modal e fontes de custeio além da tarifa, balizando planos municipais e metropolitanos.

No tocante ao uso de carros por aplicativo, como driblar essa tendência? Vivemos num momento em que muitos motoristas optam por trabalhar nesse modelo para obtenção de renda primária ou complementar. Como ficam questões econômicas e de subsistência desse público? Há alternativas?

Aurélio Murta: Há duas maneiras de “driblar” a tendência dos aplicativos de transporte, bem como sugerir alternativas econômicas. Uma delas é a regulação: o STF vedou proibições ou restrições desproporcionais, dessa forma, a atuação dos motoristas de aplicativos deve ser regulada, por meio do fornecimento de dados, medidas de segurança, tributação e metas ambientais, e não banida. Outra opção são as políticas de transição: primeiro, ampliar a atratividade dos transportes coletivos para o público geral, como a prioridade viária, a integração tarifária e reforçar  a confiabilidade nesses modais. Em seguida, a tarifação de congestionamento, que é a cobrança de pedágios em determinados momentos ou lugares com picos de demanda, e a zona de baixa emissão, a definição de áreas onde alguns veículos são restringidos para reduzir a poluição atmosférica, para internalizar externalidades. Por fim, é necessário incentivar a migração de motoristas de aplicativo para serviços públicos de BRT,  Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), ônibus alimentadores – aqueles que conectam bairros mais afastados a terminais rodoviários e estações centrais – ou serviços sob demanda, com qualificação e acesso a crédito para frota limpa. A literatura recente aponta queda de renda e aumento de jornada entre motoristas por aplicativo, logo, políticas ativas de proteção social e requalificação também são necessárias. 

Na cidade do Rio os meios de transporte são variados entre trens, VLT, BRT, metrô, ônibus e barcas. Qual é o cenário da mobilidade na cidade? As opções de transporte são capazes de suprir as demandas da população carioca?

Aurélio Murta: Os diversos meios de locomoção no Rio de Janeiro são distintos e cada um apresenta suas particularidades. Os trens da SuperVia enfrentam recuperação financeira e necessidade de investimentos para reduzir intervalos, porém existem aportes do estado e transições contratuais em curso. No caso do BRT, os corredores passam por um processo de requalificação, como a Nova Transoeste entregue em 2023, além de uma ampla rede de 140 estações com, aproximadamente, 150 km prevista com Transoeste, Transcarioca, Transolímpica e Transbrasil. Já o VLT apresenta um crescimento de demanda, porém o modelo financeiro sem subsídio é apontado como frágil. O metrô recebe propostas de expansão, por exemplo, extensão da Linha 2 a Praça XV e projetos até São Gonçalo e Zona Oeste. No entanto, permanecem majoritariamente no papel. O governo apresentou uma proposta de até 44 km para 31 estações. Por fim, as barcas apresentaram uma redução tarifária no trecho de Niterói para a Praça XV e vice-versa, de R$ 7,70 para R$ 4,70. Além disso, a reconfiguração da linha Charitas com apoio municipal-estadual melhoram a atratividade. Em conclusão, a rede de mobilidade é diversificada, mas a suficiência depende da requalificação do BRT, recuperação dos trens, fornecimento de previsibilidade de custeio ao VLT e expansão das integrações tarifárias. 

Como é a integração entre os modais, principalmente no que diz respeito ao transporte intermunicipal, muito usado durante a semana entre Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo e a Baixada Fluminense?

Aurélio Murta: O Bilhete Único Intermunicipal (BUI) integra barcas, trens, metrô e ônibus; a bilhetagem “Jaé” tornou-se obrigatória nos modais do município do Rio e coexiste com o BUI para integrações intermunicipais. Uma informação crítica para o usuário é que o BUI, do Riocard, segue para integrações estaduais, o Jaé, por outro lado, é exigido nos modais municipais e define novas integrações e valores. 

Um projeto que faz parte de discussões há anos é a linha de barcas entre São Gonçalo (SG) e Rio de Janeiro. Quais são os principais obstáculos para que essa estrutura saia do papel? Como ela pode impactar a mobilidade da população?

Aurélio Murta: Os obstáculos técnicos-econômicos típicos desse modal se baseiam na necessidade de terminais dedicados, por exemplo, nos bairros Gradim e Neves, além de batimetrias e dragagens na Baía, bem como uma frota adequada, integração alimentar e garantia de demanda. Tudo isso requer inserção no Plano Metropolitano (PRM 2034) e no Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) de SG. Um impacto potencial que a linha aquática pode gerar é o alívio da Ponte Rio–Niterói e dos eixos rodoviários RJ-104/106, a redução dos tempos de deslocamento entre transportes, ou seja, uma sincronização maior ao sair de um e tomar o outro, mas para isso é necessário que sejam  bem integrados e com tarifa competitiva ao BUI.

A Transoceânica, que liga o centro de Niterói à Região Oceânica, foi criada para otimizar o trânsito da cidade por meio de transportes públicos. De que maneira você avalia a viabilidade técnica e econômica da abertura dessa via? Esse projeto realmente é eficaz para o cotidiano dos niteroienses?

Aurélio Murta: A Transoceânica em Niterói é composta pelo túnel Charitas–Cafubá e corredor BHLS Transoceânico, que são as vias específicas para ônibus com estações abertas para passageiros. Ela foi concluída com objetivo de conectar Baía–Região Oceânica e priorizar o transporte público na cidade. As evidências após a inauguração da obra contam com estudos que reportam redução de tempos de viagem após o túnel. No entanto, ainda há desafios residuais que permanecem nos gargalos de distribuição viária e na operação dos serviços alimentadores. Em relação aos aspectos econômicos e operacionais, os benefícios dependem da oferta confiável nas vias dos veículos, como frequência, prioridade semafórica, estações para os passageiros de transporte público e de gestão da demanda. Há relatos de aditivos e debates sobre custos, o que exige auditorias regulares de custo-benefício.

As prefeituras do Rio de Janeiro e de Niterói se candidataram como sede dos Jogos Pan-Americanos de 2031 e eles prometem uma estrutura adequada para atender a população local e a visitante. Em relação aos meios de transporte, quais são os desafios para atender o evento?

Aurélio Murta: Os principais desafios, caso as cidades venham a se tornar sede dos Jogos Pan-Americanos, são os picos de demanda em clusters, ou seja, eventuais pólos de concentração do evento (Barra/Deodoro/Maracanã/Niterói). Essa situação exige um plano de mobilidade do evento com faixas exclusivas (TDM), reforço no BRT requalificado, trens com intervalos menores, barcas de alta frequência e gestão de bilhetagem integrada temporária.

Qual a viabilidade dessas mudanças, como as barcas do Rio a São Gonçalo e a Transoceânica, para a recepção dos jogos?

Aurélio Murta: Para a transoceânica, que já está em operação, requer apenas ajustes finos, como pontos de retorno e oferta, bem como a gestão de demanda nos acessos às arenas em Niterói. No que diz respeito à barca SG–Rio, seria uma situação viável se houver decisão rápida sobre terminais, dragagem e contrato de operação com metas de desempenho, assegurando integração tarifária (BUI/Jaé). A janela 2025–2031 é factível para implantação se o projeto executivo e a licitação ocorrerem até 2027. 

Como os investimentos em mobilidade feitos para o Pan-Americano podem deixar um legado positivo para a população após o evento?

Aurélio Murta: Após os jogos, seriam importantes fatores como a conversão da infraestrutura temporária em permanente, com prioridade para corredores de BRT, VLT e as melhorias de estações de trens e barcas. Também, os governos podem consolidar a bilhetagem integrada e instituir financiamento estável com subsídios operacionais estruturados na Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), não só as tarifas. 

Em outros países, diversas opções de meio de transporte já são elétricos, pensando na proteção do meio ambiente. De que forma os meios de transporte no Rio podem contribuir para uma mobilidade mais sustentável, capaz de reduzir  emissões de poluentes e congestionamentos? Esses modelos são viáveis no estado?

Aurélio Murta: A adoção de ônibus elétricos no BRT e rotas estruturais, as barcas com propulsão híbrida e ou elétrica e a ampliação de VLT reduzem emissões poluentes locais e de ruídos. Isso pode ser instrumentalizado por compras públicas verdes, contratos por quilômetro com metas de CO₂ e energia renovável. Atualmente, o Rio discute conversão tecnológica realizada em outros países como, por exemplo, viabilizar VLT em eixos, como hoje faz o BRT. Além do mais, o sistema de VLT já opera com baixa emissão no Centro da cidade, que contribui para a sustentabilidade advinda dos modais de transporte.

Quais são os principais investimentos que os municípios e o governo devem fazer para melhorar a mobilidade urbana atualmente?

Aurélio Murta: Podemos dividir em partes: o estado do Rio de Janeiro deve focar em recuperação do trem metropolitano, principalmente nos quesitos de material rodante, sinalização, energia e segurança; na expansão metrô faseada conforme Plano RIo Metrópole e Plano Diretor de Transportes Urbanos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (PRM/PDTU); e ligações hidroviárias (Niterói/SG/Rio) com integração BUI. As prioridades para o município do Rio devem ser a conclusão da Transbrasil, manter e fiscalizar a qualidade do BRT requalificado, dar sustentabilidade ao VLT, uma fonte estável de custeio, implementar totalmente o Jaé e sua integração com o BUI. Já para os municípios de Niterói e São Gonçalo, é importante a consolidação da operação do BHLS Transoceânico, a requalificação dos eixos RJ-104/106 com transporte de alta capacidade e o desenvolvimento do projeto executivo da barca SG–Rio.

Como você enxerga esse cenário no estado nos próximos anos? Há potencial de modernização e expansão dos transportes, ou a tendência é de sobrecarga dos sistemas atuais?

Aurélio Murta: Para os próximos anos, há potencial de modernização na mobilidade urbana se o PRM 2034/PlanMob orientar investimentos integrados, com foco em ferrovia metropolitana, BRT robusto, hidroviário competitivo e integração tarifária Jaé+BUI. Sem isso, a tendência é sobrecarga nos eixos rodoviários e perda de participação do transporte público.

 

Aurélio Lamare Soares Murta é professor do departamento de Administração da UFF. É doutor e mestre em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ) e pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), respectivamente, graduado em Engenharia Civil pela Fundação Percival Farquhar (UNIVALE). É também professor do Mestrado em Administração, do MBA em Logística Empresarial e Gestão da Cadeia de Suprimentos (LOGEMP) e MBA em Gestão Empresarial e Sistemas de Informação (CASI) da UFF, sendo coordenador e subcoordenador dos dois últimos.

Por Letícia Souza.

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