
Mais Vacinas: aplicativo da UFF usa tecnologia para combater a desinformação sobre imunização
No dia 17 de outubro é celebrado o Dia Nacional da Vacinação – uma das estratégias mais eficazes de saúde pública no mundo, capaz de salvar milhões de vidas todos os anos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que as vacinas previnem de 3,5 milhões a 5 milhões de mortes por ano por doenças como difteria, tétano, coqueluche, gripe e sarampo. Apesar disso, o Brasil tem enfrentado uma preocupante queda na cobertura vacinal, fenômeno agravado pela circulação de desinformação e notícias falsas sobre a segurança dos imunizantes. Dados mostram que, em 2023, último ano considerado em um levantamento do Instituto Questão de Ciência, nenhum estado conseguiu atingir a meta de cobertura para as quatro principais vacinas aplicadas até 1 ano de idade. Esse cenário representa risco direto para o monitoramento de doenças que já estavam erradicadas ou sob controle.
Com o objetivo de enfrentar esses desafios e aproximar a população de informações confiáveis, pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) desenvolveram o aplicativo Mais Vacinas. A ferramenta foi lançada em forma de protótipo, em agosto de 2025, e busca oferecer recursos práticos para facilitar a organização do calendário vacinal, o acompanhamento das doses e o acesso rápido a informações corretas sobre imunização.
Entre os responsáveis pela iniciativa está o professor do Departamento de Materno-Infantil e Psiquiatria da UFF, Jorge Luiz Lima da Silva. O coordenador relata que o projeto teve uma motivação clara desde o início: desenvolver uma solução tecnológica acessível e de fácil utilização, pensada para dialogar com a população em geral de modo a responder ao avanço das fake news e à volta de doenças preveníveis.
“Nosso objetivo é mostrar que vacinas salvam vidas e que informação confiável pode ser a melhor forma de combater o medo e a desinformação”, afirma.
Do laboratório à comunidade
O professor Jorge explica que já elaborou outras ações com propostas parecidas, envolvendo a criação de aplicativos e saúde pública, como o app Prev-IST — destinado a difundir informações sobre a prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis. O Mais Vacinas surge a partir da visível necessidade de um recurso acessível, capaz de ajudar a população a entender a importância dos imunizantes e manter suas doses em dia.
A partir de trocas dentro do Laboratório de Mídias e Aplicativos para Promoção da Saúde (LabMapps/UFF) — que é parte de um programa de extensão maior denominado Espaço Aberto para Saúde/UFF, ambos voltados à criação de tecnologias educacionais e de apoio à saúde pública —, a equipe foi crescendo e propôs o desenvolvimento da proposta. O projeto, inclusive, faz parte da pesquisa do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de uma aluna da graduação de Enfermagem e contou com a ajuda de uma mestranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, que mostra a importância da força do desenvolvimento científico dentro do ensino da universidade pública.

Os responsáveis pelo desenvolvimento do aplicativo. Reprodução: Instagram/@espaçoabertosaudeuff
O projeto reúne uma equipe multidisciplinar composta por estudantes da área da saúde e de ciências da computação, além de professores orientadores e colaboradores técnicos. A combinação permitiu unir o rigor da área médica, a criatividade e as ferramentas tecnológicas. “É um trabalho de muitas mãos. O pessoal da computação traz a lógica e a estrutura, enquanto nós da saúde pensamos o conteúdo, a forma de comunicar e o impacto social”, relata o coordenador.
Com o amadurecimento da pesquisa, o grupo estruturou um estudo metodológico em oito etapas, que inclui desde o levantamento de conteúdos, diretrizes de saúde e até testes em escolas e unidades de atendimento. Cada fase foi pensada para garantir que o produto final fosse não apenas informativo, mas também funcional e intuitivo. A pesquisa, de caráter aplicado, demonstra como a ciência universitária pode gerar soluções concretas para problemas sociais urgentes.
Para o professor, a principal inovação do Mais Vacinas está em traduzir conhecimento científico em linguagem acessível. O grupo teve o cuidado de substituir termos técnicos por explicações simples e diretas, sem perder precisão. “Transformar algo técnico em algo compreensível é o nosso maior desafio. A ideia é que qualquer pessoa, independentemente da escolaridade, possa entender e usar o aplicativo com facilidade”, destaca.
Funcionalidades do aplicativo
O protótipo do Mais Vacinas está disponível para acesso gratuito em maisvacinas.netlify.app. Desenvolvido como um Progressive Web App (PWA) — um tipo de recurso que combina a experiência de um site com as funcionalidades de um app nativo —, o aplicativo funciona tanto em celulares quanto em computadores e pode ser acessado mesmo offline, o que facilita o uso em regiões com conexão limitada à internet. A escolha técnica reforça o compromisso da equipe com a inclusão digital e a democratização da informação.
Entre as funcionalidades, estão a consulta ao calendário vacinal por faixa etária, o armazenamento de fotos da caderneta de vacinação, o envio de lembretes automáticos sobre novas doses e a localização dos postos de saúde mais próximos. O aplicativo também oferece explicações sobre possíveis reações após a aplicação das vacinas, chamadas de “manifestações locais”, e curiosidades que ajudam o usuário a compreender o processo de imunização de forma leve e educativa.

Informações sobre as funcionalidades do app. Reprodução: Instagram/@espaçoabertouff
Outro diferencial é a integração com inteligência artificial (IA), que permite ao usuário tirar dúvidas em tempo real sobre vacinas e grupos específicos, como gestantes, idosos e pessoas imunocomprometidas. A ferramenta está em fase de aprimoramento, mas já responde às questões básicas e serve como canal de orientação.
“Ainda estamos no processo de aperfeiçoar a Inteligência Artificial. A princípio não iríamos desenvolver esse tipo de tecnologia, mas durante a construção da interface o Igor Meirelles, aluno do curso de Sistemas da Informação da UFF e um de nossos pesquisadores, disse que conseguia desenvolver e vimos que seria importante expandir as possibilidades de busca. Hoje, a nossa IA já está disponível, mas em um constante processo de desenvolvimento. Quanto mais interações ela estabelecer, mais ágil se tornará”, comenta Lima.
O Mais Vacinas tem sido testado em escolas públicas e em unidades de saúde, onde professores, estudantes e profissionais podem avaliar o design, o conteúdo e a usabilidade. Essas sugestões fazem parte de uma das fases mais importantes do projeto e são incorporadas à nova versão do aplicativo, que segue em constante aprimoramento. “O olhar da comunidade é essencial. O aplicativo não é feito para ficar restrito à universidade, mas sim disponível para a população. Queremos que as pessoas se reconheçam nele, se sintam parte desse processo e consigam utilizá-lo sem grandes obstáculos ”, destaca Jorge.
Perspectivas e impacto social
Sendo um exemplo de inovação em saúde pública, o Mais Vacinas conta com apoio da Agência de Inovação da UFF (AGIR) por meio de uma bolsa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBIT). O trabalho é movido por esforço e dedicação voluntária dos integrantes, resultado do anseio em produzir conhecimento e disseminar informações confiáveis para a população em um período em que as notícias são facilmente manipuláveis. “A universidade é esse espaço de transformação. Nossos alunos aprendem, pesquisam e, ao mesmo tempo, devolvem à sociedade algo que pode melhorar vidas”, afirma Jorge Luiz Lima.
A manutenção e atualização do aplicativo são constantes. O calendário vacinal, por exemplo, sofre alterações frequentes, e a equipe precisa acompanhar essas mudanças para manter o conteúdo atualizado. “Esse é um trabalho de vigilância permanente. Se não houver melhorias, o aplicativo pode ficar defasado rapidamente e não é isso que queremos. Nosso objetivo é manter a informação ativa para que a população possa ter acesso a dados reais e recentes, até mesmo de forma offline”, explica.
Atualmente, o Mais Vacinas encontra-se em fase de ajustes finais, com previsão de conclusão da versão definitiva até o fim de 2025. A equipe segue coletando o retorno de usuários e colaboradores para aperfeiçoar o layout e a navegação.

Camila de Souza Elethério (bolsista de extensão) e Kevin Souza Barbosa (bolsista Pibic), graduandos de Enfermagem, durante apresentação do projeto na Semana Acadêmica da UFF. Reprodução: Instagram/@espaçoabertosaudeuff
Além disso, o grupo tem o intuito de ampliar o alcance do aplicativo e incorporá-lo às estratégias de saúde pública. Segundo o coordenador, a ideia é que o Mais Vacinas possa servir não apenas como um recurso educativo para a população, mas também como ferramenta de apoio ao trabalho de profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS): “O aplicativo pode ajudar tanto o cidadão comum quanto o profissional de saúde. Ele é um meio de facilitar a organização das informações, incentivar a vacinação e reforçar a confiança nas campanhas”, ressalta.
O projeto reforça o papel da ciência como agente transformador da sociedade, ao unir tecnologia, educação e cuidado coletivo em uma mesma iniciativa. Para Lima, a maior conquista é ver a pesquisa acadêmica ultrapassar os muros da universidade e impactar positivamente a vida das pessoas. “A ciência precisa chegar à população de forma clara e acessível. Quando a gente transforma conhecimento em algo que ajuda as pessoas no dia a dia, cumprimos nossa missão enquanto universidade pública”, conclui o pesquisador.
Jorge Luiz Lima da Silva possui graduação em Enfermagem e Licenciatura – Universidade Federal Fluminense (UFF-2004). Pós-graduação em Formação Pedagógica p/ Área da Saúde (2005) e Ativação de Processos de Mudança, na Formação Superior em Saúde (Ensp/Fiocruz-2006). Mestrado em Enfermagem pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio-2007) – desenvolveu estudo epidemiológico, na área de saúde mental do trabalhador, em parceria com a Fiocruz. Doutorado em Ciências da área da Saúde Pública (Ensp/ Fiocruz, 2015). Estágio de Pós-Doutorado no Programa de Saúde Pública e Meio Ambiente (Ensp/Fiocruz 2019). Atualmente, é professor de Saúde Coletiva, Políticas Públicas e Metodologia Científica, em cursos de graduação e pós-graduação. Lotado no Depto. Materno-Infantil e Psiquiatria – UFF. Professor colaborador do Mestrado em Saúde Coletiva-UFF.
Por Alícia Carraceno.
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