The Myths Brazil: equipe da UFF leva inovação em robótica espacial a competições internacionais
Criada dentro da Universidade Federal Fluminense (UFF), a The Myths Brazil é uma equipe universitária dedicada ao desenvolvimento de rovers — veículos robóticos semelhantes aos utilizados pela NASA em missões na Lua e em Marte. Formado por estudantes de diferentes áreas e orientado por docentes da Escola de Engenharia, o grupo tem se destacado em competições internacionais que avaliam tecnologias aplicadas à exploração espacial. Em 2025, a equipe participou de desafios no Canadá e na Polônia, consolidando o nome da UFF em eventos globais de inovação e engenharia.
A iniciativa nasceu em 2017, a partir de um projeto do Programa de Educação Tutorial em Engenharia Mecânica (PET-MEC), com a proposta de aproximar a formação acadêmica da prática científica e tecnológica. Desde então, o grupo se renova ano a ano e amplia suas competências, reunindo hoje alunos de diferentes cursos, como Engenharia Mecânica, Elétrica, Sistemas de Informação e Desenho Industrial. A orientação é realizada pela professora do Departamento de Engenharia Mecânica, Fabiana Rodrigues Leta.
Segundo a orientadora, a The Myths Brazil expressa o potencial criativo e científico dos estudantes da universidade pública: “A equipe mostra que os nossos alunos têm capacidade de competir internacionalmente, enfrentar desafios complexos e propor soluções de alto nível técnico. É um trabalho que envolve dedicação, estudo e, principalmente, o desejo de inovar”, afirma.
A trajetória do grupo ganhou novo impulso a partir do apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), através do edital de “Apoio a Equipes Discentes em Projetos de Base Tecnológica para Competições – 2024”, que contribuiu para a preparação dos estudantes rumo às competições internacionais e para o desenvolvimento do último projeto criado pela equipe, o rover Fênix.
A reconstrução do projeto
A The Myths Brazil foi criada a partir da iniciativa dos próprios alunos, que convidaram a tutora Fabiana Leta com um objetivo: chegar ao NASA Human Exploration Rover Challenge (HERC), o Desafio do Rover de Exploração Humana da NASA. O projeto seguiu por cerca de três anos até que, com a pandemia de Covid-19, sofreu uma desmobilização e foi paralisado.
A professora destaca que a motivação estudantil sempre foi a marca da universidade. “A UFF tem muito ânimo para qualquer atividade que envolva competição. Nós temos equipes que desenvolvem carros, barcos, foguetes, robôs e muito mais. Os alunos são extremamente motivados”, afirma. “A The Myths surgiu dentro desse ambiente criativo, com a proposta ousada de desenvolver um rover para um desafio internacional”, acrescenta a tutora.
Em 2023, um grupo de alunos de Engenharia Mecânica, entre eles a Maria Eduarda Carvalho – líder da equipe –, descobre a The Myths e idealizam sua volta. Segundo Maria Eduarda, a trajetória do grupo é marcada pelo aprendizado coletivo. Ela lembra que, no início, o desafio não era apenas construir um rover competitivo, mas também aprender a trabalhar com metodologias e tecnologias completamente novas para muitos dos integrantes.
Primeiro protótipo do rover Fênix, feito em pvc. Foto: Arquivo Pessoal.
“Quando começamos, era tudo muito desconhecido. Aprendemos fazendo, lidamos com nossos erros e reorganizamos o projeto a partir disso. Temos muita vontade de fazer acontecer e ver a The Myths chegar no lugar que merece, e é esse o espírito que segura a equipe de pé há muitos anos”, conta. Com o tempo, os estudantes se aprofundaram em áreas como controle, programação, manufatura aditiva e visão computacional, e hoje formam uma estrutura interna capaz de lidar com testes cada vez mais complexos. Entre as atividades, tiveram também suporte técnico do professor Carlos Henriques Oliveira, do Departamento de Engenharia Elétrica, no aprendizado sobre manufatura aditiva.
A equipe reformulada enfrentou desafios até chegar ao sonho da internacionalização do projeto, no entanto todas as etapas foram essenciais para o amadurecimento do que antes era apenas uma ideia. Cada inscrição em uma nova competição, mesmo quando não resultava em classificação, gerava novos dados, novas falhas analisadas e novas metas. Segundo Maria Eduarda, essa cultura de aprendizado constante se tornou uma das maiores forças da equipe. “Muitos alunos entram sem saber nada de robótica espacial, mas saem capacitados para atuar em projetos industriais, laboratórios e pesquisa acadêmica”, conta.
Com esse desenvolvimento gradual, o resultado apareceu em 2024, quando foram aceitos para participar de duas das maiores competições de rovers do mundo. O nome “The Myths Brazil” nasceu desse espírito de motivação. “São os mitos do Brasil. Quem acreditaria que iríamos conseguir? Era algo inusitado, e realmente foi”, conta a orientadora.
Faixa da aprovação para realização de testes da competição. Foto: Arquivo Pessoal.
Dos laboratórios da UFF às competições internacionais
A participação em competições externas sempre fez parte da história da The Myths Brazil, mas 2025 marcou um novo patamar. O grupo foi classificado para o Canadian International Rover Challenge (CIRC), um dos eventos mais tradicionais do mundo na área de robótica espacial, e também para uma competição similar na Polônia, a European Rover Challenge (ERC), voltada à simulação de tarefas desenvolvidas por rovers em ambientes extraterrestres.
A classificação para o CIRC foi recebida de forma inesperada: a equipe estava na fila de espera e só foi confirmada após demonstrar à organização que o rover já estava em estágio avançado de desenvolvimento. “Foi uma surpresa enorme. Mostramos que o nosso projeto estava praticamente pronto e isso abriu caminho para representar o Brasil no Canadá”, relata a coordenadora da equipe.
Após a aprovação, devido aos altos custos, apenas quatro integrantes puderam viajar para representar a equipe na competição. Para viabilizar a viagem a equipe contou com o apoio da UFF, da Fundação Euclides da Cunha e da empresa Pareto. Os estudantes ainda enfrentaram um segundo desafio: o transporte do equipamento. A construção do rover demanda tempo, dispositivos caros, frágeis e pesados. Levar tudo até outro país, sem grandes interferências financeiras e com cautela, era uma dificuldade para o grupo brasileiro. Até que, depois de anos competindo na versão de propulsão humana da NASA, surgiu a possibilidade de trabalhar com um modelo elétrico.
“Na última vez que nos inscrevemos na competição da NASA, saiu uma segunda vertente, o rover elétrico. Foi quando tivemos a ideia de começarmos a trabalhar com esse modelo. Ele é menor, como se fosse um carrinho de controle remoto, mas adaptado para um rover”, explica Maria Eduarda Carvalho.
A mudança abriu novas portas. Ao aprofundar as pesquisas sobre esse novo modelo, a equipe descobriu diferentes competições internacionais envolvendo desafios de robótica espacial.
Primeiro dia da European Rover Challenge (ERC). Foto: Arquivo Pessoal.
A classificação para o CIRC, antes vista como algo improvável, trouxe também a primeira grande barreira logística. Apesar de menor, o rover não era necessariamente mais simples de transportar. O equipamento precisou ser dividido em várias malas: rodas, suspensão, estrutura e componentes elétricos separados. “A facilidade foi conseguir colocá-lo numa mala de 10 kg, mas nem tudo coube. A parte elétrica não pode ir junto, precisou ser transportada em um pacote separado”, conta a capitã da equipe.
Segundo a professora Fabiana, a dificuldade não envolve apenas o transporte. A logística aumenta o estresse e pode comprometer o desempenho da equipe: “O rover chega desmontado para a competição. Quando os alunos pousam em outro país, com um fuso horário diferente, ainda precisam soldar e remontar tudo que já estava pronto. Isso traz uma dificuldade adicional que as equipes instaladas mais próximas do local do desafio não tem. Por isso que digo que o ‘mito’ começa com a nossa chegada no evento”.
O rover Fênix
O rover levado às competições internacionais deste ano recebeu o nome de Fênix, uma referência direta ao renascimento. Para a equipe, o nome traduzia a essência do projeto, por ser algo totalmente novo, experimental e reconstruído, diferente de tudo o que o grupo havia feito antes. “Era um protótipo zerado, uma coisa que ninguém tinha idealizado ainda. Não sabíamos por onde começar e nem onde isso daria”, conta Maria Eduarda. O Fênix se tornou o primeiro rover elétrico da The Myths Brazil e, em apenas um mês, participou de desafios em dois países.
A concepção do modelo final passou por várias etapas até ganhar forma. Antes do Fênix, a equipe testou um protótipo preliminar no RSM Challenge Internacional, realizado pelo Instituto Robótica Sempre Mais (RSM), na cidade de Mogi das Cruzes, em São Paulo. Esse primeiro tinha quatro rodas, era mais alto e mais fino. O protótipo cumpriu sua função: rodou, embora lentamente, e permitiu que a equipe identificasse seus pontos fracos.
Após melhorias, a versão ficou estruturada de uma maneira inovadora: dimensões de 40 cm x 40 cm e aproximadamente 10 kg. Era o menor e mais leve rover da competição do Canadá. “O menor deles tinha 1,40 m e pesava 50 ou 60 kg”, diz a capitã. O tamanho reduzido, que impressionou os avaliadores, foi justamente para possibilitar o transporte.
Rover Fênix pronto. Foto: Arquivo Pessoal.
Outro diferencial do Fênix está no modo de operação. No CIRC, o rover precisava executar tarefas com o uso de um braço mecânico, seguindo comandos enviados pelos estudantes. Já no European Rover Challenge (ERC), na Polônia, a competição exige um sistema mais complexo, no qual o rover deve trabalhar em conjunto com um drone. Nesse formato, o drone faz o mapeamento aéreo do terreno e envia imagens e dados para o sistema de controle do protótipo. As informações são integradas aos códigos de navegação, o que permite traçar rotas mais seguras para evitar obstáculos e proteger componentes delicados, como o braço robótico.
“A recepção ao Fênix foi extremamente positiva. O protótipo não recebeu certificação por questões técnicas, mas conquistou respeito e curiosidade. Os avaliadores ficaram perplexos com o tamanho”, relata Maria Eduarda. Para alguns jurados, a surpresa começou pelo próprio fato de a equipe ter viajado do Brasil. Ainda assim, o desempenho chamou atenção e, consequentemente, reforçou o potencial da equipe para futuras edições.
Reconhecimento, impacto e os próximos passos
O grupo também participou da Rio Innovation Week em agosto deste ano. Mesmo sem o protótipo físico — que estava no Canadá para a competição — a equipe apresentou o projeto por meio de painéis e materiais explicativos conduzidos por integrantes. Segundo Maria Eduarda Carvalho, a reação do público surpreendeu até quem já estava acostumado a explicar o rover em ambientes técnicos. “Muitas pessoas foram falar conosco, ficaram sem entender como funcionava e, quando os membros explicavam, ficavam surpresas. Para grande parte dos visitantes, o contato com um rover planetário foi uma descoberta.”, conta.
As experiências fora do país e na Rio Innovation Week também redefiniram o futuro da equipe. A comparação com rovers internacionais, que são maiores, mais robustos e apoiados por laboratórios inteiros, serviu como inspiração para uma reformulação estrutural. O plano é que o próximo protótipo seja um pouco mais semelhante aos modelos vistos nas competições, além de abandonar definitivamente os fios soldados e migrar para placas eletrônicas. A suspensão também será redesenhada e várias células internas da equipe estão em processo de reorganização para acompanhar o avanço tecnológico. “Estamos pensando em uma evolução, como um alter ego do Fênix – não um pouco, mas bastante melhorado”, resume Maria.
Hoje, a The Myths Brazil conta com as células de elétrica, programação, dinâmica, financeiro, RH e marketing, ampliando seu alcance e profissionalizando sua atuação. Com metas ambiciosas para os próximos anos, incluindo a participação em uma competição no Japão em 2027 e o retorno já garantido ao Canadá em 2026, o grupo expande seu portfólio e consolida sua presença no cenário da inovação tecnológica brasileira.
Para a professora Fabiana Leta, o maior legado do projeto é transformar a trajetória dos estudantes e reafirmar o papel da universidade pública. “Cada passo do grupo mostra que a ciência feita na UFF tem alcance global. Esses jovens representam o Brasil com muito orgulho e mostram que a inovação nasce também dos nossos laboratórios, das nossas ideias e da nossa dedicação”, conta.
Mais do que competir, a The Myths Brazil tem como objetivo inspirar outros estudantes e divulgar a importância da engenharia espacial no Brasil. O grupo participa de oficinas, eventos, iniciativas educativas e aproxima a comunidade da ciência, estimulando jovens a ingressar na área de tecnologia.
Fabiana Rodrigues Leta é Professora Titular do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal Fluminense. Possui graduação em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal Fluminense (1989), mestrado em Engenharia Mecânica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1992) e doutorado em Engenharia Mecânica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1998). Foi Diretora da Escola de Engenharia da UFF de novembro de 2018 a fevereiro de 2020. Foi responsável pela criação da AGIR – Agência de Inovação da Universidade Federal Fluminense, ocupando o cargo de diretora no período de 2009 a 2014. Coordena o Laboratório de Metrologia Dimensional e Computacional, criado pela mesma na UFF. Coordena diversos projetos e orienta alunos de graduação e pós-graduação. É membro do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica e do Programa de Pós-graduação em Ciências, Tecnologias e Inclusão É tutora do Programa de Educação Tutorial (MEC-SESu).
Maria Eduarda Carvalho de Oliveira é aluna regular do curso de Engenharia Mecânica no campus Praia Vermelha da Universidade Federal Fluminense Fluminense. Possui Técnico em Eletrotécnica pela Escola Técnica Estadual Henrique Lage (2020). Foi tutoriada pela Professora Fabiana Rodrigues Leta entre Maio de 2022 a Junho de 2023 pelo Programa de Educação Tutorial de Engenharia Mecânica (PET-MEC). Foi Bolsista da ação de Extensão “Difusão e Compartilhamento do Conhecimento Teórico e Prático do Desenvolvimento de Protótipos de Veículos Elétricos para Competições Estudantis” pela Equipe Faraday E-Racing (2024). Foi responsável pela volta ativa da Equipe The Myths Brazil em Junho de 2023, além de ter sido Diretora da célula “Estrutura e Ergonomia” (2023). Atuou como Capitã da Equipe entre Junho de 2023 a Setembro de 2025, sendo responsável por gerenciar todo o sistema Técnico e Administrativo. Atualmente é Diretora da Célula do Financeiro (2025).
Por Alícia Carraceno.
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