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Pesquisa da UFF avalia a presença de mercúrio em peixes da Baía de Guanabara e risco à saúde de pescadores


A Baía de Guanabara, uma das mais importantes baías costeiras do Brasil, é caracterizada pela forte biodiversidade, capaz de abrigar diferentes ecossistemas, como mangues, florestas alagadas, rios e águas oceânicas. Entre peixes diversos e outras tantas espécies que tem o estuário como lar, a baía se destaca também como principal fonte de subsistência de muitas famílias que vivem ao seu redor. No entanto, um fator tem gerado preocupação para pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF): a presença de mercúrio (Hg) no ambiente marinho. Numa investigação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Higiene Veterinária e Processamento Tecnológico de Produtos de Origem Animal (PPGHIGVET-UFF), o estudo analisou a quantidade de mercúrio total (HgT) em peixes na baía de Guanabara. A pesquisa evolui ainda para uma amostragem do nível da substância presente entre a população das colônias de pescadores das cidades de Magé e Itaboraí e do bairro da Ilha do Governador, no município do Rio de Janeiro. 

Das 8 milhões de pessoas, distribuídas em 17 municípios, que vivem no entorno do estuário, ao menos 4 mil são pescadores vinculados à Associação de Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara (Rede AHOMAR). Com a crescente presença de indústrias na costa, a expressiva quantidade de embarcações que trabalham offshore, bem como os resíduos industriais e domésticos, a liberação de substâncias tóxicas na água tem sido uma realidade que afeta diretamente os peixes e, consequentemente, a população da região. Dentre esses elementos, o mercúrio tem se destacado pela alta toxicidade, altos níveis de absorção e baixas taxas de excreção.  

Idealizada como dissertação de mestrado do aluno da UFF, Bruno Soares Toledo, com orientação da professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFF, Eliane Teixeira Mársico, o projeto demonstra sua relevância ao destacar a relação entre a intensidade da poluição ambiental observada pela contaminação dos peixes e os riscos potenciais causados à saúde humana. 

Para a professora, a relevância do estudo se mostra justamente a partir do caráter silencioso da contaminação. “Se está no peixe, vai estar na população. São doenças silenciosas, que as pessoas não percebem, e que os efeitos só vão aparecer a longo prazo. Por isso é vital que as informações encontradas sejam divulgadas para que os consumidores se previnam com medidas possíveis, principalmente entre as colônias de pescadores que vivem na Baía e têm o peixe como principal fonte de proteína.”

A pesquisa se apoia em duas frentes principais: entender os impactos ecotoxicológicos do ambiente sobre o alimento consumido pela população e avaliar o papel do mercúrio como contaminante crítico. O mercúrio é um dos elementos mais tóxicos que existem, sendo o primeiro reconhecido pela humanidade como elemento químico perigoso. O peixe é considerado uma excelente matriz alimentar, mas seu valor nutricional depende diretamente da qualidade do ambiente onde é capturado. Em caso de contaminação, há riscos para a população que o consome.

Condução da pesquisa

A etapa de campo foi possível graças ao apoio de diferentes grupos de pesquisa, como Projeto Águas da Guanabara, a colaboração com a Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (FIPERJ) e ao uso do Navio Escola da UFF, o Ciências do Mar 3 – que permitiu à equipe navegar e realizar coletas em pontos estratégicos da Baía de Guanabara. Eliane destaca que essa infraestrutura representou um avanço importante em relação ao que era possível décadas atrás, permitindo que todas as etapas acontecessem da melhor maneira possível. “O navio ficou disponível para a gente, e isso fez toda diferença. Pudemos ver a Baía com nossos próprios olhos, coletar os peixes no local e acompanhar outras frentes de pesquisa que aconteciam ao mesmo tempo”, relata.

Para a primeira parte, buscando compreender o panorama da contaminação, os pesquisadores selecionaram oito espécies de peixes de diferentes hábitos alimentares e nichos ecológicos. A escolha seguiu os critérios da legislação brasileira, que estabelece limites máximos de mercúrio para peixes predadores e não predadores. A legislação prevê um limite máximo de 1,0 mg/kg em peixes predadores e 0,5 mg/kg em não predadores. Por isso, foram escolhidas espécies de diferentes nichos para entender toda a cadeia alimentar.

Grupo da pesquisa durante a etapa de campo na Baía de Guanabara. Foto: Arquivo Pessoal.

Entre as espécies mais consumidas e analisadas no estudo estão a sardinha, o robalo, a corvina e a tainha. A diversidade permitiu traçar uma avaliação mais ampla dos níveis de contaminação. “Quando avaliamos as espécies isoladas, considerando o hábito alimentar de cada uma, conseguimos definir o risco e orientar qual espécie é mais segura do ponto de vista do mercúrio”, explica Toledo.

Os resultados revelaram diferenças expressivas entre as espécies. O robalo, por exemplo, constatou a concentração de HgT de 0,2218 mg/kg, apresentando a maior concentração do contaminante. Os pesquisadores explicam que isso não significa que o peixe não possa ser consumido: “A concentração detectada, apesar de não ser alta, não exclui a espécie do plano alimentar, mas expressa a necessidade de maior espaçamento entre as refeições. Precisa existir um intervalo maior entre o consumo, pensando nessa exposição”.

Em contrapartida, a sardinha verdadeira, um dos peixes mais comuns nas mesas da região, apresentou valores bem menores, em torno de 0,0003 mg/kg. “No nosso estudo, ela foi uma espécie com valor bem menor em relação ao robalo”, explica Bruno. Isso reforça a necessidade de orientar a população sobre as escolhas mais seguras e sobre como equilibrar o consumo de pescado.

Peixes utilizados na pesquisa. Foto: Arquivo Pessoal.

A exposição das comunidades

A segunda parte da dissertação avaliou a exposição direta das comunidades de pescadores por meio de amostras de cabelo humano – uma metodologia considerada eficaz para identificar a contaminação crônica por mercúrio. Os valores encontrados não são exorbitantes, mas ainda assim preocupantes. Para a análise, feita com grupos voluntários, foi usada a referência internacional recomendada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que estabelece como seguros níveis entre 1 e 2 mg/kg de mercúrio no cabelo. “No nosso recorte, observamos variações entre 0,12 mg/kg e 3,5 mg/kg. Isso significa que tivemos voluntários com resultados acima do limite previsto, o que indica maior exposição possivelmente relacionada ao consumo frequente de peixe”, afirma Eliane Mársico. 

As amostras foram coletadas em três colônias de pesca: Ilha do Governador, Magé e Itaboraí. A equipe aplicou questionários socioeconômicos, conversou com moradores e realizou a coleta com base em um protocolo aprovado pelo Comitê de Ética. Os dados mostraram três realidades distintas dentro de um mesmo estuário. A maior concentração foi na Ilha do Governador, seguida por Magé e, depois, Itaboraí. Essa diferença pode estar relacionada tanto às espécies mais manuseadas quanto à frequência do consumo, já que, para muitos moradores, o peixe é a principal e mais acessível fonte de proteína.

Coleta de amostras de cabelo. Foto: Arquivo Pessoal.

Uma das preocupações da equipe é garantir que os resultados retornem às comunidades pesquisadas. A ideia é retribuir a ajuda dos voluntários com as informações geradas. “Nossa proposta é apresentar os dados em banners claros e diretos, que ficarão expostos na Associação de Pescadores para que todas as colônias compreendam os resultados e saibam como se proteger”, explica Bruno. Eliane reforça que a devolutiva é parte essencial do processo científico: “Eles querem saber e é necessário que tenham essa informação para que possam se prevenir, fazer um rodízio entre as espécies que consomem e evitar impactos no futuro. Nosso foco é garantir a essas comunidades a tranquilidade de se alimentar com algo que gostam e podem”.

Por que investigar o mercúrio?

A motivação para o desenvolvimento do estudo começou a partir do interesse de Bruno na linha de pesquisa da professora Eliane, que investiga o tema desde o início da carreira. A docente relata que, ainda em seu mestrado, observou a importância da região quando começou a estudar a qualidade dos alimentos provenientes do estuário. Para ela, a Baía é um elemento central da vida fluminense: “É um ambiente nosso, do Estado do Rio de Janeiro. É cartão turístico, fonte de trabalho, lazer e também de alimento. Por isso, investigar o que chega ao prato das populações que dependem desse ecossistema é, além de científico, um compromisso social”.

Toledo, autor da dissertação, deu seguimento à pesquisa após, ainda na graduação, participar de dois projetos de iniciação científica coordenados pela professora. A infraestrutura do ambiente da universidade foi umas das razões para essa aproximação: “O laboratório tem equipamentos que poucos lugares no Brasil possuem, e isso me colocou mais perto da pesquisa. Eu percebi que era uma área onde os impactos não são só imediatos, mas que também existe um risco a longo prazo para quem está exposto diariamente ao contaminante”, explica. 

Identificação e análise prévia das amostras e dados coletados no Navio Escola “Ciências do Mar III”. Foto: Arquivo Pessoal.

Voltar à baía anos após o primeiro monitoramento feito por Eliane foi um desafio que trouxe novos pontos de vista e dados para essa análise tão importante. “Entender como está a Baía hoje e avaliar as espécies mais consumidas e as concentrações de mercúrio nelas é algo crucial para proteger a população que vive ao seu redor e consome muito mais pescado do que a média e, por isso, está mais exposta”, conta Bruno.

Com dados inéditos e uma abordagem integrada, o estudo contribui para o entendimento da qualidade ambiental da Baía de Guanabara e reforça a importância da ciência na defesa da vida marinha e das populações que dependem dela. Além disso, a dissertação está gerando dois novos artigos, que estão em fase de aprovação de publicação e contarão com a divisão e investigação aprofundada dos produtos da dissertação. Um dos trabalhos é focado na análise de mercúrio nos peixes, avaliando questões de risco, e o outro explora a presença de mercúrio nas amostras de cabelo da população. 

 

Bruno Soares Toledo Doutorado em andamento, com ênfase na área de contaminantes químicos (mercúrio e outros elementos traço) e poluentes (microplásticos) em pescado. Mestre em Medicina Veterinária pelo Programa de Pós-Graduação em Higiene Veterinária e Processamento Tecnológico de Produtos de Origem Animal – P.O.A., da Universidade Federal Fluminense – UFF (2024). Bacharel em Medicina Veterinária, graduado pela mesma instituição (2022). No decorrer da graduação foi estagiário no Hospital Universitário de Medicina Veterinária (HUVET), no setor de Clínica Cirúrgica e Oncologia. Participou do programa de extensão em educação, saúde e bem-estar do Instituto Biomédico como bolsista do projeto de extensão Ética em Medicina Veterinária. Além disso, foi estagiário no Laboratório de Inspeção e Tecnologia de Pescado e também na indústria de pescado Conservas Piracema S/A. Posteriormente, foi bolsista por dois anos em projetos de iniciação científica – PIBIC, no Laboratório de Controle Físico-Químico de Produtos de Origem Animal, trabalhando em projetos envolvendo a qualidade higiênico sanitária do pescado e do mel.

Eliane Teixeira Mársico Graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Fluminense (1984), mestrado em Medic.Veterin.(Hig.Veter.Proc.Tecn.Prod.Org.Animal) pela Universidade Federal Fluminense (1998) e doutorado em Medicina Veterinária Hig e Proc Tecnológico de POA pela Universidade Federal Fluminense (2005). Pós doutorado em 2014 pela UFG, área de Engenharia de Alimentos. Atualmente é Professora Titular lotada no Departamento de Tecnologia de Alimentos da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal Fluminense. Ministra a disciplina de Controle Físico-Químico de POA na graduação e Bioquímica de Alimentos na pós graduação. Professor permanente credenciado no programa de Pós Graduação em Higiene e Processamento Tecnológico de Produtos de Origem Animal. Professor permanente no Programa de Pós Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos da Escola de Engenharia de Alimentos da UFG. Atual vice -coordenadora do Programa de Pós Graduação em Higiene Veterinária e processamento Tecnológico de POA. Cientista do Nosso Estado e Bolsista Produtividade em Pesquisa (PQ) do CNPq.

 

Por Alícia Carracena.

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