A(mar), poema-livro

Fragmentos do Agorar – Coluna de Crônicas do Cotidiano Por Angela Puppim – Economista e Escritora. A(mar)Ventania sacudia a vela...

Angela Puppim

Fragmentos do Agorar – Coluna de Crônicas do Cotidiano

Por Angela Puppim – Economista e Escritora.

A(mar)
Ventania sacudia a vela do barquinho ancorado à beira do cais.
O mar a clamar!
Liberte-se de suas amarras e venha me navegar!
O mar em sua vasta imensidão e solidão desejava o barquinho.
Queria ser navegado, sentir a proa acariciando suas ondas e deixando-se beijar.
O barco sentiu um tremor em suas velas.
Como zarpar? Como soltar suas âncoras? Como libertar-se para navegar o mar e amar?
Uma ave em voo rasante escutou dois lamentos.
O suspiro do mar e um soluço do barquinho impedido de navegar.
Ave, ser divino, debateu-se no mar.
Ondulações sincopadas dissolveram as amarras que aprisionavam o barco, projetando-o nos braços do mar.
Ventania cessou. A ave voou grunhindo canto de amor.
O mar marejado em calmaria.
O barquinho livre a navegar
A(mar) sem fim.

Todas as formas de se falar de amor valem a pena. Seja na literatura, na música, no cinema, no teatro, todas as maneiras, todas as histórias que tratam e falam sobre o amor o expandem e o reinventam.

Os amores verdadeiros cruzam as normas e alargam suas fronteiras. Falo dos amores que, além de serem incompatíveis com a opressão, se tornam transgressores, contrariam todos os padrões socialmente impostos.

Foram múltiplas as inspirações para a criação do poema A(mar), que se transformaria num livro de mesmo título. Publicado em 27 de agosto de 2022 pela Edições Cândido, teve a parceria de Lourdes Maria, com suas belíssimas ilustrações. Gosto de enumerar essas inspirações para que os leitores conheçam as inquietações e os estímulos que assolam uma escritora em seu ato criativo — os motivos do poema.

O primeiro estímulo veio quando tive contato com o livro Tudo Sobre o Amor, de bell hooks[ii]. A autora nos fala do amor como um ato, uma ação, não como um sentimento tão somente; uma combinação de cuidado, compromisso, conhecimento, responsabilidade, respeito e confiança para com o outro, em todas as nossas relações. O amor como uma ação, um ato contra todas as formas de opressão. Foi aí que se deu o estalo inicial: “— Isso! Vou usar a minha escrita para, de forma sensível e poética, militar pelo amor como um ato, contra todas as formas de coerção, intolerância e violência”.

Outro estímulo teve origem na mesma época em que escrevia o poema. Naquele período frequentei o curso A Alma Imoral Revisitada, com o Rabino Nilton Bonder[iii] , o curso teve o intuito de “tratar da transgressão como um instrumento, um recurso, que faz parte dos mitos ancestrais e dos ritos. O objetivo foi fornecer recursos para que cada pessoa possa compreender quando o certo e o errado dizem respeito, por vezes, aos seus exatos opostos”.

Para Bonder, enquanto o corpo, para garantir sua preservação, se submete à coerção moral que muitas vezes lhe cerceia e aprisiona, a alma imoral engendra transgressões que são libertadoras e geram transformações necessárias à própria vida.

O terceiro motivo que levou à composição do poema A(mar) foi fruto de uma grande inquietação interna, um enorme desconforto e uma crescente indignação com o contexto político do país, onde o estímulo à LGBTIfobia e a todas as formas de preconceitos e perseguições passaram a fazer parte da agenda de ódio e intolerância veiculada por grupos de extrema direita, neofacistas e/ou neonazistas, que ganharam estímulos adicionais após o Golpe em nossa Democracia, e a consequente eleição do atual governo, implicando em assustador crescimento de crimes contra as pessoas LGBTI+, dentre outros segmentos (negros, povos originários, mulheres, etc.).

Essa conjuntura política me deixava — e deixa — extremamente indignada e triste: a execução de Marielle Franco, liderança política, negra, mulher e lésbica; o Golpe em nossa Democracia; as constantes violações de direitos, e tantos outros retrocessos, me levavam a reforçar a ideia de fazer da minha escrita uma forma de militar pela vida em sua plenitude e pelo amor.

Influenciada por tudo isso que estava vivendo, sentindo e aprendendo, escrevi o poema A(mar), que meu editor das Edições Cândido, ao ler, sugeriu transformar num livro dirigido ao público infantojuvenil, ou de todas as idades. 

Assim, o Livro-poema A(mar) é uma metáfora poética sobre o amor entre diferentes simbolizada no amor do mar por um barquinho ancorado no cais e cheio de amarras; na necessidade de libertar o barco de todas as amarras que lhe são impostas, pelo medo de transgredir as normas que o aprisionam, para viver o que a sua alma interior deseja. Ao final do livro, o ato transgressor da alma imoral é representado por um pássaro divino que ouve a essência da alma e liberta o barquinho (corpo), possibilitando a sua vida em liberdade para viver o amor em sua plenitude, um A(mar) sem fim.

Ilustração: Loudes Maria

Em síntese, o Livro-poema A(mar) foi cuidadosamente preparado para o público-alvo com muito amor — amor pela literatura infantojuvenil; amor pelos livros; amor e zelo pelas relações interpessoais e afetivas entre os diferentes. Uma obra literária que trata e fala sobre o amor, e que ao mesmo tempo deseja expandir o seu significado e reconhecer o direito de A(mar) em toda a simplicidade e plenitude. Uma obra poética que quer quebrar preconceitos, estigmas e intolerâncias. Um convite a A(mar) infinitamente!

O Livro-poema A(mar) foi dedicado a Yara, minha primeira neta.                         

Devo confessar minha emoção ao receber algumas impressões sobre meu livro-poema. Meu sentimento de gratidão por tamanha delicadeza se expressa no final desta crônica por meio do compartilhamento de algumas delas.

                            A(mar), delicada fábula poética nos conduz em navegação pelo amor em todos os mares.

                                                                                                                                                                Carmen Luiza Barros

Sensibilidades se fundem:  o olhar mágico da poeta e a percepção da artista plástica ao captar o sentido da história sobre o amar.

Este belo livro enleva a alma, encanta os olhos e agrada a todas as idades.

Temática sempre atual e instigante.

Norma Emiliano

A leitura do Livro A (mar) me fez navegar em pensamentos que, em alguns momentos, me chegam como crenças limitantes.  Quantas vezes deixamos de mergulhar em desejos legítimos por conta de temores fantasiosos, e perdemos o encontro com o azul de novas revelações. O amor, assim como o mar, guarda profundidades e segredos assustadores e sedutores. A gaivota é a grande salvação, a que libera a vida, o respirar. Como psicóloga faço uma leitura dessa gaivota como um processo terapêutico de mergulho no inconsciente que transforma e liberta. Texto lindo e cativante!

                                                                                                                                                                                                        Teresa Mello

(…) Esse encontro do barco com a navegação, simbolizado pelo amor, precisou fazer a travessia, superar o entrave, a dominação, para alcançar a liberdade, pois só se ama e se vive verdadeiramente quando o corpo e a alma se libertam dos aprisionamentos condicionantes que acumulamos ao longo do tempo.

Enfim, parabenizo-as pela idealização e realização do Livro-poema A(mar).

Vera Magalhães

Seu poema, embora suavemente ilustrado, me fez refletir sobre a profunda e eterna inquietação humana: a que cais estamos ancorados? O que nos impede de ir? E quantas vezes o mar, a vida, o mundo nos provocam a sair em liberdade e hesitamos…

  Desejos, carícias e beijos são, muitas vezes, desafios quase intransponíveis para enfrentar o mar, o amar, o amor.

Esperança e direção é seu poema a nos dizer que Sim!, podemos largar do cais e sair em muitas direções.

Hedinale Coelho


[i] O livro A(mar) pode ser adquirido no link: http://www.edicoescandido.com/amar

[ii] Para quem não sabe, bell hooks foi uma mulher, negra, americana, feminista, professora e escritora, que dedicou sua vida inteira à luta contra o patriarcado, contra a dominação, contra o racismo, e que defendeu a necessidade de combatê-los através do ato revolucionário do amor.

[iii] Newton Bonder é rabino da Congregação Judaica do Brasil e da Associação Religiosa Israelita do RJ, ordenado pelo Jewish Theological Seminary (Nova York), onde obteve os títulos de doutor, mestre e bacharel em literatura hebraica (bacharelado em conjunto com a Universidade de Columbia). É autor, entre outros, de A Alma Imoral (obra que foi adaptada para o teatro por Clarice Niskier e em formato de documentário por Silvio Tendler, Exercícios d`Alma: A Cabala como Sabedoria em Movimento (vencedor do Prêmio Jabuti), A Cabala e a Arte de Preservação da Alegria, Cabala e a Arte do Tratamento da Cura, O Sagrado, A Cabala do Dinheiro e A Cabala da Inveja, todos pela Editora Rocco.

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