HUAP em Foco: Inovações em testes moleculares podem transformar diagnóstico, rastreio e monitoramento de tumores e doenças raras
Imagine que o corpo humano é um livro, e cada célula, uma página escrita em linguagem genética. Quando a doença aparece, seja um câncer ou uma síndrome rara, algumas letras deste texto se perdem, repetem-se ou mudam de lugar. É nesse ponto que entram os testes moleculares, que, por meio de seus métodos de pesquisa, são como lupas que permitem ler as alterações invisíveis e compreender o que está acontecendo para evitar que os sintomas se agravem.
No Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP), da Universidade Federal Fluminense (UFF), a ciência molecular se transforma em cuidado e oferece diagnósticos mais rápidos, acessíveis e precisos para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), via testes moleculares. O objetivo é que esses exames sejam realizados dentro do HUAP até o ano que vem, reduzindo custos e tempo de espera. “Hoje, esses exames ainda são enviados para fora, o que encarece e atrasa o processo. Com a técnica implementada internamente, o acompanhamento será mais rápido e econômico”, completa.
Os testes ganharam espaço com a implantação do Núcleo de Patologia Molecular e Medicina de Precisão (NPMMP), coordenado pela professora da Faculdade de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em Patologia da UFF (PPGPatol) Istéfani Luciene Dayse da Silva. O núcleo transforma a pesquisa biomédica em ferramenta direta de cuidado e diagnóstico para os usuários do SUS, passo decisivo para levar ao sistema público de saúde tecnologias de ponta capazes de detectar mutações genéticas, personalizar tratamentos e reduzir custos hospitalares.
“O projeto nasceu de uma necessidade real do hospital e foi trazida pela profa. Graça Helena Canto o desejo de aproximar o que produzimos na universidade das demandas do SUS. Estimamos que, só na área de Hematologia, cerca de 25 testes moleculares por mês serão realizados no início da implementação, o que corresponde a 300 exames por ano”, projeta a coordenadora.
A iniciativa marca o início da implantação de testes moleculares como FISH, PCR e sequenciamento genético, ferramentas essenciais para o diagnóstico e o acompanhamento de tumores e doenças raras. Esses exames permitem não apenas identificar alterações genéticas com precisão, mas também guiar terapias específicas, tornando o cuidado mais eficaz e humano.
Medicina de precisão para cuidar melhor
A professora explica que a medicina de precisão busca conhecer as particularidades de cada paciente, suas condições clínicas, genéticas e até socioeconômicas, para oferecer o tratamento mais adequado. “A avaliação molecular permite fechar diagnósticos por vezes inconclusivos e definir a melhor terapia para os pacientes. Ela é chamada de medicina de precisão porque evita procedimentos ineficazes e proporciona melhor direcionamento dos recursos públicos”, acrescenta.
No caso do câncer de mama, por exemplo, o teste FISH permite verificar o número de cópias do gene HER2, um marcador que define se a paciente deve receber uma terapia-alvo específica. “Em outros testes diagnósticos, às vezes, não dá para concluir se há ou não a amplificação desse gene. Em tais casos, a avaliação molecular é essencial para confirmar se há mais cópias do que deveria do HER2”, explica Istéfani.
Imagens das reações FISH para rastreamento do gene HER2. Foto: Istéfani Luciene
Outra frente do núcleo é a padronização da PCR quantitativa para o gene BCR-ABL, marcador importante para o diagnóstico e monitoramento da leucemia mieloide crônica. “Essa técnica é tanto diagnóstica quanto de monitoramento: ela permite avaliar a resposta ao tratamento ao medir a quantidade de cópias do produto deste gene no sangue. Se os níveis diminuem, a terapia está funcionando; se aumentam, o protocolo precisa ser ajustado”, detalha a pesquisadora.
A pesquisa coordenada pela docente também se conecta a projetos que buscam biomarcadores do câncer de pele e novas estratégias terapêuticas. O eixo comum entre todos eles é a medicina de precisão, que transforma inovação científica em benefício direto à população. “Vi que não fazia sentido propor algo novo se nossos pacientes não têm acesso ao básico. Daí surgiu a ideia do Núcleo”, explica.
Histórico e reconhecimento
Desde sua chegada à UFF, em 2021, Istéfani tem se dedicado a pesquisas na área de patologia molecular e medicina de precisão, articulando docentes, técnicos e médicos do HUAP em torno do propósito de transformar conhecimento científico em diagnóstico acessível. O reconhecimento à relevância da pesquisa tem crescido. O trabalho desenvolvido pela professora forma novos profissionais e aproxima o laboratório do leito hospitalar. O núcleo conta também com o engajamento das docentes Graça Helena Canto, Karin Cunha e Nathália Oliveira, profissionais e estudantes de diversas áreas.
Os resultados do grupo já foram apresentados em eventos científicos nacionais, como o Simpósio de Medicina de Precisão do HCor (SP) e o I Congresso Brasileiro de Oncologia Translacional, além de renderem o aceite do primeiro artigo derivado do trabalho. A professora também foi contemplada com o financiamento Jovem Cientista do Nosso Estado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (JCNE-FAPERJ) e apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Os impactos vão além da agilidade diagnóstica. “Temos o mais difícil, os recursos humanos qualificados e dispostos. Nossa meta é demonstrar que temos capacidade e estrutura para realizar esses testes, de modo que o hospital e a universidade possam investir e transformar essa iniciativa em rotina institucional”, conclui Istéfani.
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Istéfani Luciene Dayse da Silva é Biomédica, Mestre em Biologia Molecular e Doutora em Patologia. Atua como Professora Adjunta na Universidade Federal Fluminense (2021-Atual). Desenvolve pesquisas na área de Oncologia Molecular, buscando compreender os mecanismos metastáticos envolvidos especialmente nos melanomas e no câncer de mama. Tem como foco a identificação de novos biomarcadores e alvos terapêuticos a partir de amostras humanas e de modelos experimentais, através da compreensão do papel da resposta imune-tumoral, células tumorais circulantes, vesículas extracelulares e outros mediadores/sinalizadores.
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