Pesquisa investiga treinamento respiratório domiciliar para melhorar o controle autonômico cardíaco em pacientes com Parkinson
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Parkinson é a segunda doença neurodegenerativa mais frequente globalmente, atrás apenas do Alzheimer. Estima-se que 4 milhões de pessoas no mundo, cerca de 1% da população a partir dos 65 anos, vivem com a doença. No Brasil, aproximadamente 200 mil pessoas são afetadas pelo distúrbio. Diante da expressiva dimensão do número de pacientes, pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) deram início a um estudo inovador que investiga um tratamento não medicamentoso capaz de combater os sintomas não motores que acometem as pessoas com Parkinson.
O estudo busca compreender como o treinamento dos músculos inspiratórios, especialmente o diafragma, influenciam o sistema nervoso em controlar os batimentos cardíacos. A pesquisa, coordenada pelo professor visitante do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFF, Gabriel Dias Rodrigues, teve a participação de pacientes voluntários da Unidade de Desordens do Movimento do Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap/UFF) e conta com um grupo multidisciplinar, construído em parceria com professores do Departamento de Medicina Clínica da UFF e alunos do Programa de Pós-Graduação em Neurologia e Neurociências do Huap-UFF. Além disso, integra um projeto maior financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ)
O Parkinson é amplamente conhecido pelos tremores, rigidez e lentidão dos movimentos, mas seus efeitos vão muito além do sistema motor e podem provocar alterações intestinais, no sono, humor e urgência urinária. O trabalho produzido explora uma faceta menos visível da doença: as alterações no Sistema Nervoso Autônomo (SNA) – que regula funções automáticas do corpo, como os batimentos cardíacos e a pressão arterial. Na doença de Parkinson, a disfunção desse sistema pode causar sintomas como tontura e até mesmo desmaios ao mudar de postura.
Para o docente, compreender como o coração responde às mudanças de postura e aos estímulos respiratórios em pessoas com Parkinson é essencial. “Nosso objetivo é avaliar se, ao fortalecer os músculos respiratórios, conseguimos melhorar o controle autonômico do coração e diminuir as manifestações dos sintomas, especialmente em situações do dia a dia, como ao se levantar ou caminhar”, explica.
O treinamento muscular inspiratório: como funciona?
A ideia surgiu da observação de que a respiração tem um papel direto no funcionamento cardíaco. “Quando respiramos mais lentamente, o coração também desacelera. Isso mostra que existe uma comunicação constante entre os dois sistemas. Queríamos entender se, ao controlar e fortalecer essa respiração, poderíamos ajudar os pacientes com Parkinson a recuperar parte dessa resposta natural, fisiológica”, esclarece o coordenador.
A partir dessa ideia, o grupo de pesquisa decidiu testar um treinamento respiratório crônico, um procedimento simples que pode ser realizado em casa. O método, chamado de Treinamento Muscular Inspiratório (TMI), utiliza um pequeno aparelho portátil que oferece resistência à inspiração. O paciente realiza, diariamente, 30 respirações com pausas, ajustadas à sua capacidade individual. A técnica é conhecida na literatura científica e já é utilizada em contextos de fisioterapia respiratória e reabilitação cardíaca, mas ainda não havia sido explorada com o objetivo de melhorar a função autonômica do coração em pacientes com Parkinson.
O acompanhamento é supervisionado à distância pela equipe do laboratório, que garante o uso correto do dispositivo e a evolução da carga ao longo das semanas. “Assim como em uma academia de ginástica, cada pessoa tem um limite diferente. Nós avaliamos a força inspiratória máxima e prescrevemos a intensidade ideal para cada paciente”, relata o professor.
Localização do diafragma, entre a cavidade torácica e a abdominal. Imagem: Brasil Escola (UOL)
Em uma primeira etapa, os participantes vão ao laboratório para uma avaliação, onde realizam alguns testes e recebem orientações sobre a forma correta de respirar — utilizando o diafragma, e não os ombros ou o pescoço — e o modo de manusear o aparelho. Os acompanhamentos nos dias posteriores acontecem de forma remota. O protocolo padrão dura cerca de cinco semanas: um período de adaptação e quatro semanas de treino contínuo. Ao final, há o retorno ao laboratório para uma última avaliação para posterior análise dos resultados. Embora seja simples, o método exige regularidade e técnica, por isso o acompanhamento é essencial.
Rodrigues explica que, além de atuar no controle cardíaco, o TMI traz diversos benefícios potenciais: “Esses pacientes tendem a ter fraqueza dos músculos respiratórios, o que pode gerar cansaço e dificultar atividades cotidianas. Ao fortalecer essa musculatura, eles não só respiram melhor, como também podem melhorar o desempenho físico e o bem-estar geral”.
Resultados iniciais e perspectivas futuras
O estudo piloto, realizado com um grupo reduzido de pacientes com Parkinson em estágio inicial, trouxe resultados satisfatórios. Após cinco semanas de treinamento, os participantes apresentaram aumento da força inspiratória e melhor resposta do coração durante a mudança de postura, principalmente na ação de levantar-se, algo que normalmente é prejudicado pela doença.
“O que nos surpreendeu foi a dimensão da melhora. Enquanto o grupo de voluntários saudáveis manteve resultados estáveis, os pacientes com Parkinson apresentaram uma melhora significativa na resposta cardíaca durante o teste de mudança postural. É um avanço expressivo para uma terapia totalmente não farmacológica”, relata o coordenador.
Esses dados sugerem que, no futuro, o TMI pode auxiliar no controle da pressão arterial e evitar episódios de tontura ou desmaios. A equipe também observou fortalecimento dos músculos inspiratórios, dentre eles o diafragma, principal músculo envolvido na inspiração, o que abre portas para novas investigações sobre outros efeitos fisiológicos positivos do treinamento.
Apresentação na Escola Internacional de Neurociências de Erice, na Itália. Foto: Arquivo Pessoal.
Com os resultados promissores, os pesquisadores já iniciaram uma nova fase do estudo, que será concluída em 2026. O objetivo é ampliar o número de participantes, incluir pacientes em diferentes estágios da doença e avaliar novas variáveis, como pressão arterial e equilíbrio postural, além de testar a duração ideal do tratamento e os efeitos do tratamento contínuo. “Queremos saber não apenas se há melhora, mas por que ela ocorre e se é possível mantê-la em longo prazo”, afirma.
Ciência, acessibilidade e impacto social
A pesquisa é fruto da parceria entre os laboratórios coordenados pelos professores Pedro Paulo da Silva Soares, do Departamento de Fisiologia e Farmacologia do Instituto Biomédico da UFF, e Marco Antônio Araújo Leite, do Departamento de Medicina Clínica da UFF. O projeto integra ensino, pesquisa e extensão, contando ainda com a participação de alunos de iniciação científica, residentes da universidade e dos doutorandos Felipe Ferreira e Michelle Salabert, que estão entre os autores do estudo publicado.
Financiado pela FAPERJ e com bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a tese reforça o papel da UFF na produção de conhecimento aplicado à saúde pública e à melhoria da qualidade de vida de populações clínicas. O objetivo é que, no futuro, com o desenvolvimento das pesquisas e validação dos efeitos em larga escala, o método tem potencial para ser incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS) como uma forma de tratamento complementar e acessível.
Mais do que um avanço científico, a iniciativa representa uma mudança de perspectiva sobre o tratamento do Parkinson. “Não se trata de substituir medicamentos, mas de complementar o cuidado. É uma terapia segura, simples e que o próprio paciente pode fazer em casa, fortalecendo a autonomia e o bem-estar”, conclui o pesquisador.
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Gabriel Dias Rodrigues é professor visitante no programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Ciências Biomédicas (Fisiologia), docente permanente e orientador de mestrado e doutorado nos programas de Pós-graduação Stricto Sensu em Ciências Cardiovasculares e Neurologia do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) da UFF.. B Possui Doutorado em Ciências Biomédicas (Fisiologia) e graduação em Educação Física, ambos pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Realizou Doutorado Sanduíche (bolsista CAPES/PDSE) na Università Degli Studi di Milano (UNIMI, Italia) e. Foi pesquisador associado na UNIMI ) e pesquisador (pós-doc) na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP, Disciplina de Reumatologia). Atualmente é Pesquisador Colaborador da UNIMI e da Université Libre de Bruxelles (ULB, Bélgica). Lidera o grupo de pesquisa 4Health Lab e é idealizador do 4Health Lab Cast, um Podcast sobre divulgação científica na área da saúde, fisiologia e inovação.
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