Próximo à COP30, projeto da UFF aponta soluções práticas para mitigar os impactos do desequilíbrio ambiental no Brasil
A menos de uma semana para o início da COP30 Amazônia, o tema mudança climática tem pautado as discussões ao redor do mundo e provocado preocupação sobre os rumos da humanidade. A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas reunirá em Belém, no Pará, lideranças de diversos países para abordar os problemas ambientais a nível global, como descarbonização e a urgência da transição energética. Apesar da discussão em alta, não é de hoje que projetos se dedicam a estudar e traçar alternativas para driblar os impactos climáticos e propor soluções, como é o caso do Riskclima, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Coordenada pelo professor Márcio Cataldi, do Laboratório de Monitoramento e Modelagem do Sistema Climático (Lammoc) da UFF, a iniciativa tem o objetivo de mapear eventos climáticos em diversas regiões, assim como os problemas sociais causados, e propor soluções factíveis que aumentem o bem-estar, evitem o adoecimento e a morte da população local. “Primeiramente, nós investigamos no Brasil quais são os fenômenos extremos mais frequentes e mais intensos que podem, de acordo com a vulnerabilidade, ocasionar algum tipo de risco”, explica o professor ao falar das ondas de calor, chuvas intensas e a seca.
A partir da avaliação dos perigos prevalecentes em cada zona analisada, é realizado um levantamento das ações cabíveis para mitigar o impacto climático em cada área. No Norte do país, sede da COP30, o problema, segundo Cataldi, é mais delicado, já que a localidade vive ondas intensas de calor e possui o menor Produto Interno Bruto (PIB) do país. “A onda de calor é um evento extremo, que vem se tornando cada vez mais frequente em grandes partes do mundo. Porém, algumas áreas mais pobres da região Norte não têm infraestrutura para lidar com o aumento da temperatura, devido à falta de recurso para aquisição de modos artificiais de refrigeração, como ar-condicionado, por exemplo. Somado a esse fator, a região concentra a maior quantidade de populações tradicionais, como as ribeirinhas, que conseguem lidar com a variação natural da temperatura e não com o clima desregulado como vivemos hoje”, esclarece.
O pesquisador ainda aponta que, com o desequilíbrio climático, as populações tradicionais podem enfrentar problemas de subsistência. “Períodos longos de seca, ondas de calor fora do que estavam acostumados podem expor tais populações a situações complexas, já que não utilizam aditivos químicos na lavoura e nem irrigação mecanizada, por exemplo, para manter a sua agricultura. Além disso, a alteração de parâmetros como temperatura, umidade e chuva pode comprometer a pesca, a caça e a própria agricultura”.
Implantar soluções para mitigar os impactos negativos não é uma tarefa fácil, na visão de Cataldi, já que é “muito difícil pensar em algum processo de mitigação sem interferir em seu modo de vida”. Porém, o pesquisador elenca algumas possibilidades que podem melhorar a qualidade de vida das populações tradicionais. “O estado brasileiro teria que tentar implementar medidas menos invasivas possíveis que trouxessem algum tipo de melhoria. Para as ondas de calor, por exemplo, a criação de algum tipo de ventilação artificial integrada ao meio onde vivem, mas que não seja um grande ventilador movido à luz elétrica”, explica o pesquisador. No tocante às secas, o coordenador propõe como alternativa “trabalhar com oficinas de insumos orgânicos ou técnicas de irrigação baseadas em gotejamento e que utilizem a gravidade como ‘energia’”.
Saúde pública
De acordo com Cataldi, um dos problemas de saúde pública a ser evitado com o mapeamento são os casos de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como o ataque cardíaco. “Em áreas de ondas de calor intensas, é comum as pessoas infartarem, principalmente idosos. Isso acontece devido à desidratação, condição em que o corpo perde água e o sangue se torna mais viscoso, com maior probabilidade de coagulação, que pode ocasionar uma trombose ou ataque cardíaco”, explica o coordenador. Além disso, acrescenta: “uma solução simples para esse problema seria a criação de alerta para essas regiões com a orientação de ingestão de, pelo menos, dois litros de água nos dias em que a temperatura atingir um patamar previamente estabelecido”.
Freepik. Beber mais água: uma medida simples que pode salvar vidas.
Medidas de política pública, como o lembrete para beber água, por exemplo, podem evitar a morte de 50% da população idosa, a mais afetada nesses casos, já que tomam menos água naturalmente por não sentirem tanta sede. “A estatística aponta que 80% dos idosos morrem por desidratação, em períodos de calor intenso. A implantação de um sistema simples pode melhorar o bem-estar e aumentar a expectativa de vida populacional”, acrescenta o coordenador do projeto.
Demais regiões do país
Criado em 2022 e com duração prevista para o fim de 2026, o Riskclima já produziu diversos artigos científicos, que revelam a eficácia dos relatórios gerados pelo mapeamento climático, cuja finalidade é apontar os impactos atrelados ao desequilíbrio ambiental sofridos pela população. De acordo com Cataldi, nenhum dos relatórios foi aplicado concretamente em parceria com o poder público e tomadores de decisão, porém, já foram catalogados os eventos extremos vividos em cada região do Brasil. “No Sul, é possível apontar as chuvas intensas, que já provocaram desastres, como o de Porto Alegre, recentemente. No Sudeste e Centro-Oeste, a seca é prevalente pela ausência de chuva. Quando o assunto é Nordeste, é possível apontar a seca no interior como o principal fator de risco. Já no Norte, as ondas de calor intensas são o grande problema causado pelo desequilíbrio ambiental”, enfatiza o pesquisador, que é também professor do Departamento de Engenharia Agrícola e Ambiental da UFF.
Foto Riskclima. Mapa com os índices do Atlântico e das ondas de calor extrema para as capitais do Brasil
Um dos problemas apontados pelo especialista é o bloqueio atmosférico, fenômeno que interrompe a chuva e causa a seca prolongada. Cataldi explica que, em 2014, a média de chuva na região Centro-Oeste, principalmente, tem diminuído ano após ano. “Com isso, a agricultura tem sofrido. Ainda temos o risco de ausência de energia elétrica, porque é onde estão os maiores reservatórios, risco para o abastecimento de água para uso humano, uma vez que é a região mais populosa do país”. Ele ainda complementa que a umidade do solo é um fator complicador para a sua qualidade e para o abastecimento de energia.
“Já os apagões do Sudeste estão diretamente relacionados ao desequilíbrio ambiental. Desde 2010, o tempo de bloqueio mudou: anteriormente, em um mês de 30 dias, tínhamos 5 dias de bloqueio e 25 dias com possibilidade de chuva. Atualmente, são 50% para ambos”, esclarece o pesquisador.
A diminuição da média geral pluvial também resulta em chuvas intensas que atingem o Sul. Ao analisar os extremos, alguns fenômenos podem acontecer ao mesmo tempo. De acordo com o especialista, é possível observar que, concomitante às secas prolongadas, há uma maior precipitação. Devido à termodinâmica da atmosfera e aumento da temperatura, as chuvas têm sido devastadoras em algumas regiões.
Soluções
A implantação de soluções dependerá de cada problema identificado. No Centro-Oeste, o projeto indica a criação de um programa de coleta de água renovável para não ter problemas com abastecimento e em período de seca. O investimento em outras fontes de energia elétrica, como a eólica e solar, pode reduzir o risco de apagões no Sudeste. O telhado verde pode ser ideal para reduzir a temperatura, absorver melhor a água da chuva e melhorar a qualidade do ar nas cidades do Norte. A criação e manutenção de comportas, mecanismo essencial para drenagem de água, ajudam a reduzir os danos das chuvas intensas no Sul.
O uso de energia eólica é uma alternativa para evitar o desabastecimento de energia elétrica em períodos de seca.
Apesar das inúmeras alternativas para melhorar a qualidade de vida da população, a criação de sistemas como os citados acima só será possível caso sejam atrelados à criação de políticas públicas. “Os relatórios gerados pelo Riskclima só terão efeito prático se os governantes e o poder público se comprometerem a aplicá-los. É necessária a implantação de medidas legais que deem conta dessa demanda climática atual, além de estabelecer a cultura de que a água deve ser uma prioridade nacional”, enfatiza Cataldi.
IA no clima
Uma das ferramentas utilizadas no projeto, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), é a Inteligência Artificial (IA). A tecnologia serve para adequar os modelos climáticos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para uma realidade brasileira atual. “O IPCC tem modelos utilizados pelo mundo todo, que irão indicar a mudança climática daqui a 20 anos. Nós baixamos os cenários, mas comparamos com o clima presente com o objetivo de diminuir possíveis erros de análise”, explica o coordenador do Lammoc UFF.
Nesse sentido, o que é feito com IA é utilizá-la para selecionar os modelos mais eficazes de previsão do clima presente. Com isso, teremos confiança para uma análise futura e, consequentemente, removeremos ao máximo os erros sistemáticos dos modelos”, finaliza o professor, exemplificando que se um modelo faz uma simulação satisfatória, mas subestima a chuva, a IA aprenderá e aplicará esse conhecimento num próximo cenário.
O projeto conta com uma equipe formada por quatro alunos de graduação de diferentes áreas da Engenharia, um de mestrado, duas de doutorado e uma de pós-doutorado. A iniciativa já produziu diversos artigos ao longo da sua existência e já estabeleceu como próximo passo a realização de parcerias com governos, estados, gestores e tomadores de decisão para colocar em prática as soluções mapeadas.
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Márcio Cataldi é graduado em Meteorologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1999), com mestrado em Engenharia Mecânica (2002) e doutorado em Engenharia Civil (2008) ambos obtidos pela COPPE/UFRJ. Atualmente, é professor associado III do Departamento de Engenharia Agrícola e do Meio Ambiente da UFF, coordenador do Laboratório de Monitoramento e Modelagem do Sistema Climático (Lammoc). É docente do Programa de Pós-Graduação de Engenharia de Biossistemas (PGEB/UFF) e do programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica da UFF (PGMEC/UFF). Além disso, é colaborador externo do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Biotecnologia da UFF (PPBI/UFF) e pesquisador visitante no Grupo de Modelagem Atmosférica Regional (MAR GROUP) da Universidade de Múrcia – ES. Tem experiência na área de modelagem atmosférica e climática, energia, sustentabilidade, previsão do tempo e clima, mudanças climáticas, clima e saúde, modelagem hidrológica, camada limite atmosférica, instrumentação de baixo custo e desastres naturais.
Por Wladimir Lênin
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