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UFF Responde: Dicas de reaproveitamento de alimentos


É celebrado no dia 29 de setembro o Dia Internacional de Conscientização sobre Perda e Desperdício de Alimentos. A data foi estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2019, com o objetivo de conscientizar governos, empresas e indivíduos sobre a redução do desperdício alimentar. Dessa forma, a ação contribui para a segurança nutricional, a proteção ambiental e o combate às mudanças climáticas — problemas que afetam toda a cadeia produtiva e também o cotidiano das famílias.

No Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que, todo ano, cerca de 46 milhões de toneladas de comida são desperdiçadas. O número representa 30% de toda a produção brasileira e coloca o país em 10º lugar entre os que mais desperdiçam alimentos no mundo. A situação é mais do que uma questão de consumo individual e representa um desafio global que envolve desde a produção no campo até a chegada à mesa do consumidor. As perdas geram impactos econômicos, sociais e ambientais significativos, o que reforça a importância de soluções que incentivem a reutilização de forma sustentável.

Com esse viés, o UFF Responde desta edição tem como finalidade oferecer dicas de reaproveitamento de alimentos. Para entender melhor o problema e, principalmente, conhecer práticas que podem ser aplicadas no dia a dia, conversamos com o professores do Departamento de Engenharia de Agronegócios da Universidade Federal Fluminense (UFF), Afonso Peres e Aldara César, e com a professora do Departamento de Nutrição Social da UFF, Patrícia Camacho.

Quais são os impactos do desperdício de alimentos no Brasil?

Patrícia Camacho: O desperdício de alimentos é um problema que afeta a saúde pública, a segurança alimentar e o meio ambiente. Ele ocorre em todo o processo, da produção ao consumo final, e ainda é enorme: cerca de 14% dos alimentos são perdidos antes de chegar aos mercados, e 17% do que é adquirido pelas famílias, supermercados e restaurantes acaba no lixo, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e a ONU Meio Ambiente. No Brasil, políticas públicas buscam reduzir o desperdício, mas com resultados ainda limitados.

Além de comprometer a oferta de alimentos, o desperdício aumenta o volume de resíduos orgânicos destinados inadequadamente e prejudica a saúde da população, especialmente os moradores de comunidades com serviços sanitários precários. A gestão inadequada do lixo contribui para doenças e impactos ambientais, como degradação do solo, mudanças climáticas e o aumento da vulnerabilidade social.

Aldara César: O desperdício de alimentos é um problema global que afeta a economia, o meio ambiente e a saúde pública. Estima-se que um terço dos alimentos produzidos no mundo seja perdido ou desperdiçado a cada ano, cerca de 1 bilhão de toneladas, gerando prejuízos de quase 1 trilhão de dólares. Além do impacto econômico, o problema causa  uma má utilização de recursos como água, solo e mão de obra.

Quando depositados em aterros sanitários, os alimentos liberam gases como metano e CO2, que contribuem para  a degradação do solo, da água e do ar. A questão também é social: cerca de 821 milhões de pessoas têm dificuldades de acesso à alimentação . Com a população global prevista para atingir 9 bilhões até 2050, será necessário aumentar em 70% a oferta de comida e criar cadeias mais eficientes para que os mantimentos cheguem a quem realmente precisa.

Quais alimentos as famílias brasileiras mais desperdiçam e como poderiam ser melhor aproveitados no dia a dia?

Aldara César: No Brasil, o desperdício ocorre de várias formas. No campo, produtos que não atendem aos padrões estéticos muitas vezes nem chegam ao mercado. Durante o transporte, também há perdas, e nas famílias, alimentos estragam devido à perecibilidade, falta de planejamento nas compras ou preparo excessivo por hospitalidade. Essa cultura de “melhor sobrar do que faltar” contribui para o desperdício.

O aproveitamento depende da origem do problema. Planejar as compras com listas ajuda a evitar excessos. Frutas maduras podem ser usadas em bolos, smoothies, doces ou congeladas. Verduras e legumes murchos podem virar refogados, sopas ou congelados. Pães amanhecidos podem se transformar em torradas, pudim ou rabanada. Sobras de arroz, e feijão, por exemplo, podem ser reaproveitadas em refeições seguintes. A chave é observar o alimento e buscar formas de maximizar seu uso.

Pirâmide invertida de hierarquia de recuperação dos alimentos. Imagem: Anvisa

Crianças e adolescentes costumam ser mais resistentes a consumir cascas, talos e sementes. Como trabalhar esse hábito desde cedo?

Patrícia Camacho: A cultura da família é muito importante para a configuração dos hábitos, mas a escola também pode ser um aliado nesse processo, não só ao apresentar novas preparações, mas debater temas que reforçam a compreensão da relação do alimento, saúde e meio ambiente. A utilização de espaços para organização de hortas pedagógicas e a compostagem de resíduos podem ser importantes estratégias para materializar o debate. O uso de oficinas culinárias como ferramentas pedagógicas também pode ser eficiente. 

Como desmistificar a ideia de que reaproveitamento compromete o sabor ou a qualidade das refeições?

Aldara César: O termo pode ser entendido como “melhor aproveitamento”, pois permite usar o alimento em sua integralidade. É importante mostrar seu potencial nutricional, manter a qualidade e o sabor, e recorrer a receitas — muitas disponíveis na internet — que disfarçam a origem do alimento. Dessa forma, o aproveitamento se torna mais atraente e envolve a família e os amigos nesse processo.

Que dicas rápidas e acessíveis podem ser reproduzidas por quem deseja começar hoje a reduzir o desperdício em casa?

Patrícia Camacho: É necessária uma mudança na cultura de preparo de alimentos, muitos podem ser aproveitados integralmente, com receitas que produzem pouco resíduos e maior valor nutricional. 

No dia-a-dia, as famílias podem preparar refeições baseadas em alimentos com a casca, ou utilizá-las em outras preparações que complementam os cardápios. Outras dicas são: usar as aparas de carnes para sopas, sucos com combinação de frutas e hortaliças e sementes como complemento em saladas. Alguns exemplos como o uso de folhas de cenoura, cascas de batata inglesa, a utilização de talos de couve-flor e sementes de abóbora estão entre os principais usos. 

Aldara César: É importante aprender a armazenar os alimentos corretamente para que a vida útil deles tenha maior duração. É fundamental usar tudo que ele oferece: casca de banana pode virar bolo, talo de couve pode ser usado em refogados, sementes de abóbora podem ser tostadas no forno com sal ou páprica e virar um lanche crocante. Assim, é possível maximizar o uso de cada alimento e guardar ou reaproveitar sobras.

Muitas vezes, as pessoas preparam o almoço e não querem reaproveitá-lo no jantar, ou vice-versa. Mas é possível reinventar a comida para que não pareça repetida e facilitar o consumo. Prefira comprar aos poucos, ir ao mercado várias vezes, evitando fazer estoque excessivo e desequilíbrio entre o que foi comprado e o que será consumido. Fique de olho na validade dos produtos e dê preferência aos alimentos que vencerão  mais rápido.

Afonso Peres: Segundo a ONU, o Brasil está entre os dez países que mais desperdiçam alimentos no mundo, com quase 30 milhões de toneladas anuais. Essa realidade está ligada à alta produção e à falta de hábito de reaproveitar. Muitas vezes, por termos fartura, consumimos de forma equivocada.

O impacto não é apenas social, mas também ambiental: alimentos descartados em aterros geram emissões de gases de efeito estufa, que aumentam  a poluição. Ou seja, o desperdício pesa tanto na economia quanto no meio ambiente.

Existe algum cuidado específico para garantir a segurança alimentar no reaproveitamento integral?

Patrícia Camacho: É importante identificar quais alimentos são mais recomendados para o consumo integral, atentar para a higiene adequada, utilizar alimentos na safra, pois o risco de excesso de agrotóxicos é menor. Se possível utilizar alimentos produzidos em bases agroecológicas, sem utilização de agrotóxicos.

Imagem: Freepik

Como feiras, supermercados e restaurantes podem diminuir perdas e aproveitar melhor seus estoques?

Aldara César: Reduzir o desperdício exige esforço conjunto. Nas feiras, é possível vender alimentos fora do padrão estético por preços mais baixos, criar bancas de economia e firmar parcerias com instituições sociais para doação do que não foi vendido. Também é importante garantir armazenamento adequado e incentivar receitas que aproveitem cascas, talos e sementes.

Nos supermercados, medidas incluem descontos em produtos próximos ao vencimento, bancas de segunda linha, gestão mais eficiente do estoque, doações regulares e campanhas educativas para orientar consumidores sobre prazos de validade, armazenamento e aproveitamento integral.

Já em restaurantes e lanchonetes, o planejamento de cardápios sazonais, o controle de porções, o treinamento das equipes e o incentivo ao consumo consciente ajudam a evitar perdas. Também é fundamental estimular que clientes levem sobras para casa ou compartilhem com outras pessoas, evitando que alimentos próprios para consumo acabem no lixo.

O projeto Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar (CECANE-UFF) atua para garantir uma alimentação escolar saudável e de qualidade. Quais estratégias são recomendadas para professores, merendeiras e famílias ajudarem no combate ao desperdício de alimentos no cotidiano escolar e doméstico?

Patrícia Camacho: As ações do CECANE-UFF são realizadas em parceria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O objetivo é fortalecer o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que orienta estados, municípios e instituições federais na oferta de uma alimentação adequada e saudável aos estudantes em todo o país. Entre as iniciativas, estão a formação e o apoio a profissionais do programa, sempre com foco na sustentabilidade.

Entre os destaques, está o Projeto Escolas Saudáveis e Sustentáveis, que capacita gestores, nutricionistas e a comunidade escolar para implantar hortas pedagógicas e sistemas de compostagem. O CECANE também desenvolveu uma ferramenta de gestão da sustentabilidade para o PNAE, que contribui para evitar o desperdício de alimentos. Outras frentes incluem formações sobre a promoção do aleitamento materno nas escolas e ações de fortalecimento da agricultura familiar para aproximar agricultores, gestão pública e assistência técnica nas compras públicas da produção local.

O projeto CESCOLA atua no tratamento de resíduos orgânicos por meio da compostagem. De que forma o programa transforma restos de cozinhas e cantinas em um recurso valioso, como o composto orgânico?

Afonso Peres: O CESCOLA coleta resíduos orgânicos de cozinhas, restaurantes e até das casas de professores, alunos e técnicos, usando baldes de 20 litros. Esses restos — como cascas e sobras de comida — são misturados a materiais secos, como folhas e grama, na proporção de 2 para 1. A partir da compostagem, eles se transformam em adubo.

O composto é utilizado tanto no paisagismo da escola quanto na horta, onde cultivamos hortaliças para consumo. É um ciclo de economia circular dentro da própria unidade. Além de reduzir o envio de resíduos para aterros e o custo de transporte, diminuímos as emissões de gases de efeito estufa.

A compostagem doméstica pode ser uma maneira de reutilizar os alimentos?

Afonso Peres: A compostagem doméstica é acessível e pode ser feita em casa, desde que haja capacitação. É importante separar corretamente os resíduos e manter a proporção adequada entre material seco e úmido para evitar mau cheiro e pragas. Existem, hoje, cursos online, composteiras prontas e até a possibilidade de adotar a minhocultura, em que as minhocas transformam resíduos em húmus de alta qualidade. O fundamental é que as pessoas se dediquem alguns minutos por dia a esse processo. Mais do que uma técnica, a compostagem doméstica é uma prática de educação ambiental. Ela mostra ao consumidor que é possível reduzir impactos, gerar adubo natural sem agrotóxicos e fechar o ciclo dos alimentos ao transformar resíduos em recursos.

 

Afonso Aurélio de Carvalho Peres é Professor do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia Ambiental da Universidade Federal Fluminense (desde 01/2013). Doutor em Ciência Animal (2006) e Mestre em Produção Animal (2002) pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), Campos dos Goytacazes, RJ. Especialista em Gestão e Estratégias no Agronegócio (2002) e graduado em Zootecnia (1998) pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Seropédica, RJ. Professor Associado III e Pesquisador da Universidade Federal Fluminense (desde 02/2010).  Professor do Programa de Pós-Graduação em Zootecnia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (05/2017-02/2021). Chefe do Departamento de Engenharia de Agronegócios da UFF (2014-2016). Vice-diretor da Escola de Engenharia Industrial Metalúrgica de Volta Redonda (2015-2023). Diretor da Escola de Engenharia Industrial Metalúrgica de Volta Redonda (2023 até a presente data). Coordena o grupo de pesquisa do CNPq: “Planejamento e gestão de sistemas de produção agropecuária”. 

Aldara da Silva César é Professora Associada do Departamento de Engenharia de Agronegócios da Universidade Federal Fluminense (UFF) (Campus de Volta Redonda-RJ), responsável pelo Grupo de Análise de Sistemas Agroindustriais (GASA) e pelo Laboratório de Gestão Agroindustrial. Bolsista Produtividade do CNPQ. Possui graduação em Engenharia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa e mestrado e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Esteve na University of New England (NSW-Austrália) por um ano (2018 – 2019) como Visiting scholar/ Visiting Professor financiado pela Endeavour Program e pela CAPES para estudar a temática de desperdício de alimentos. Desde 2023, faz parte do corpo titular do Programas de Pós-Graduação em Tecnologia Ambiental (PGTA). Atualmente também coordena o projeto de extensão Cantinho do Reúso, que visa, por meio de implementação de pontos voluntários de desapego, trazer para a comunidade conceitos e práticas sobre o reúso.

Patrícia Camacho Dias é Professora associada do departamento de nutrição social da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal Fluminense e do Programa de Pós-graduação em Ciências da Nutrição da UFF. Doutora em Política Social da Universidade Federal Fluminense, na linha de Avaliação de Políticas Sociais, com ênfase nas dimensões de equidade, descentralização e relações intergovernamentais, intersetorialidade e gestão pública. Mestre pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000), Graduada em Nutrição pela Universidade Federal Fluminense (1997). Tem experiência na área de Alimentação e Nutrição, com ênfase em Análise Nutricional de População, Políticas de alimentação e Nutrição, Análise de política de alimentação e Nutrição. Integra o Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional-UFF, o Grupo de Ensino, Extensão e Pesquisa em saúde e alimentação Escolar (GEPASE) e coordena o Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar da UFF (CECANE -UFF).

 

Por Alícia Carraceno.

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