UFF Responde: Organização financeira no final do ano
O fim de ano chega juntamente com o clima de celebração, presentes e viagens, mas também traz um desafio: as despesas adicionais. Esses gastos são somados à lista de contas inevitáveis que chegam com o início do próximo ano, como IPTU, IPVA e matrícula escolar. O décimo terceiro salário – benefício conhecido como “salário extra” – entra justamente nesse mesmo período e pode ser a solução para quem sabe utilizá-lo de forma estratégica.
Por outro lado, há quem se empolgue com o dinheiro e caia na tentação de gastar mais do que o planejado. De acordo com dados divulgados pelo Datafolha em novembro de 2025, quase metade dos brasileiros não guardam dinheiro para imprevistos. No último ano, cerca de 84% das pessoas enfrentaram emergências, como atraso no pagamento de contas, e recorreram ao empréstimo para quitar dívidas.
Isso significa que grande parte da população entra neste período de maior consumo sem recursos extras para lidar com imprevistos. O fim de ano é uma época especial e ter uma organização financeira é importante para vivenciar as celebrações sem preocupações com as contas que virão. Para trazer dicas e oportunidades sobre como definir prioridades nos hábitos financeiros, convidamos os professores da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Claudio Monteiro Considera e Fernando Augusto Mansor de Mattos.
Quais são os principais erros financeiros que as pessoas cometem no fim de ano?
Claudio Considera: O erro mais comum é tratar o décimo terceiro salário como se fosse parte do rendimento mensal permanente. Muitas pessoas acabam gastando esse valor extra sem perceber que ele só retorna no ano seguinte. Ao não encarar isso como um bônus de fim de ano, os brasileiros são levados a escolhas de consumo que podem comprometer o orçamento.
Fernando Mattos: Muita gente ignora que o início do ano concentra uma série de despesas extras, como material escolar, IPTU e IPVA, que não fazem parte do orçamento mensal. Mesmo que essas contas possam ser parceladas, exigem preparação. Quando essa etapa de planejamento é esquecida, as famílias começam o ano em aperto financeiro, muitas vezes com acúmulo de dívidas já em janeiro.
Como organizar um planejamento simples e realista para despesas típicas de dezembro, como presentes, festas e viagens?
Claudio Considera: É fundamental ter clareza de que se trata de um dinheiro extra que não se repetirá todo mês. A partir disso, é preciso refletir sobre o que realmente trará mais satisfação e definir suas prioridades entre gastar com presentes, organizar festas em casa, fazer uma viagem ou outras situações particulares de cada realidade familiar. O décimo terceiro não cobre tudo, e essa consciência ajuda a estabelecer prioridades. O dinheiro não dá para tudo e isso exige que a pessoa seja realista e pense que escolhas tem que ser feitas, já que o orçamento não comporta todos os desejos simultaneamente. A economia só é possível quando se admite que o dinheiro não basta para atender a todas as vontades. Para quem quer guardar parte da renda, será necessário abrir mão de algumas despesas e concentrar os gastos apenas no essencial das comemorações. Esse tipo de escolha permite participar das celebrações sem comprometer o orçamento futuro.
Fernando Mattos: Um caminho eficiente é registrar todas as despesas previstas em uma planilha e, depois, acompanhar rigorosamente esses gastos. A organização escrita, mesmo que simples, já ajuda a evitar excessos e torna mais fácil visualizar quando o orçamento está prestes a estourar.
Como enquadrar, em dezembro, os gastos programados no início do próximo ano, como impostos e material escolar?
Claudio Considera: Essas despesas são inevitáveis e precisam estar no centro do planejamento. Material escolar, IPVA e IPTU, seja pago mensalmente ou de forma anual com desconto, são compromissos que não podem ser ignorados. Além disso, o início do ano tende a ser ainda mais desafiador porque dificilmente há reposição integral dos salários corroídos pela inflação. Ou seja, tudo estará mais caro, e se preparar antecipadamente é indispensável.
Que fatores econômicos e comportamentais contribuem para o aumento das compras impulsivas?
Claudio Considera: Para evitar esse tipo de gasto, é essencial preparar uma lista de compras que contemple apenas o que realmente é necessário e, sobretudo, segui-la com disciplina. Ir ao comércio sem planejamento, seja presencialmente ou navegando por lojas online, aumenta muito a chance de compras por impulso. Esse comportamento costuma aparecer justamente quando a pessoa não define limites claros para seus gastos. Ao estabelecer previamente o que pode comprar e quanto pode gastar, fica mais fácil resistir às promoções, ao clima consumista típico do período e às tentações que surgem a todo momento.
Para quem recebe renda variável, como organizar o orçamento diante das despesas de fim e início de ano?
Claudio Considera: Quem não recebe décimo terceiro pode se deixar influenciar pelo clima de consumo característico das festas, com compras de natal e ano novo. Isso aumenta o risco de assumir gastos típicos da temporada, como presentes e festas, sem ter uma renda extra para cobri-los. Nesse caso, disciplina é a palavra-chave. É preciso resistir ao ambiente consumista e fazer escolhas mais racionais. Não é necessário deixar as comemorações de lado, mas estabelecer limites pensando no orçamento e no que vem à frente.
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Muitas pessoas tentam “começar o ano novo com o pé direito” reorganizando a vida financeira. Quais são os primeiros passos recomendados para janeiro?
Claudio Considera: O ideal é listar todas as despesas obrigatórias e essenciais, e incluir aquelas que podem surgir inesperadamente, como consultas médicas, tratamentos odontológicos ou consertos domésticos e do automóvel. Sabemos que muitos brasileiros não estabelecem isso previamente e não têm controle financeiro para casos emergenciais, algo que é muito importante. Ao ter os custos mapeados, fica mais fácil adotar um controle rigoroso dos gastos e evitar surpresas ao longo do ano.
O 13º salário é frequentemente encarado como um bônus. Qual deveria ser sua função ideal dentro do orçamento?
Fernando Mattos: O uso ideal do décimo terceiro depende muito da situação financeira de cada pessoa e do contexto familiar. Para quem tem uma renda estável e deseja aproveitar o fim do ano, pode ser uma boa opção investir em viagens ou experiências pessoais. Já para quem enfrenta dificuldades, o mais recomendado é utilizar esse recurso para quitar dívidas e aliviar o orçamento dos meses seguintes.
Qual é o impacto do pagamento do 13º salário no comércio e na economia brasileira como um todo?
Fernando Mattos: O décimo terceiro tem um papel decisivo na dinâmica econômica. A expansão dos gastos alimenta uma cadeia de consumo que gera empregos e renda em diversos setores. Por isso, é importante preservar esse direito trabalhista. Reformas que reduzam garantias comprometem não apenas os trabalhadores, mas também o funcionamento da economia como um todo.
Para quem está endividado, qual é o melhor caminho para usar o 13º salário? Priorizar dívidas sempre é a melhor estratégia?
Claudio Considera: Nessa situação, a melhor medida é reduzir ou liquidar as dívidas. Com taxas de juros muito elevadas, e sem perspectiva de queda no curto prazo, o endividamento tende a se agravar rapidamente. Usar o décimo terceiro para diminuir essa pressão financeira é a alternativa mais prudente.
Fernando Mattos: Para quem tem dívidas, o melhor caminho é priorizá-las. Uma dica é começar por aquelas que têm as taxas de juros mais altas. Essa estratégia evita que a dívida continue crescendo, devolve algum fôlego ao orçamento e permite que a pessoa inicie o ano com mais tranquilidade financeira.
Claudio Monteiro Considera é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal Fluminense (1970), Mestre em Economia pela Universidade de Brasília (1975), cursou o programa de doutorado em Economia na University of Oxford (1975-1982, sem tese). Doutor em Economia pela Universidade Federal Fluminense em 2009. Atualmente é professor associado da Universidade Federal Fluminense. Foi Chefe do departamento de Contas Nacionais do IBGE (1986/1992), Diretor de Pesquisa do IPEA (1994/1998), Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (1999/2002). FoiChefe do Departamento de Economia e Diretor da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense. Editor-chefe da Revista de Pesquisa e Planejamento Econômico e da Literatura Econômica do IPEA/Ministério do Planejamento.
Fernando Augusto Mansor de Mattos é professor-associado na Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense, atuando tanto na Graduação quanto no programa de Pós-Graduação (PPGE – UFF). Desenvolve pesquisas na área de Desigualdade Econômica e Distribuição de Renda, Economia Brasileira Contemporânea, Desenvolvimento Econômico, Emprego, Mercado de Trabalho e Pensamento Econômico Brasileiro. Atuou como bolsista em regime PNPD pela Assessoria da Presidência do IPEA, participando, como pesquisador-visitante, no desenvolvimento de pesquisa sobre o Setor Público Federal brasileiro e sobre o mercado de trabalho do Brasil, bem como de experiências internacionais comparadas sobre emprego público e políticas sociais. Possui mestrado (1994) e doutorado (2001) em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Foi pesquisador-visitante do IRES (“doutorado sanduíche”), na França, por três meses entre o final de 1999 e o ano 2000.Também trabalhou no DIEESE (1993-1994) e na Fundação SEADE (1994-1995).
Por Alícia Carracena.
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