UFF Responde: Veganismo
Na primeira semana de novembro é celebrado o Dia Mundial do Veganismo, que conscientiza sobre o respeito pelos animais e a igualdade entre espécies. A escolha por retirar produtos de origem animal do dia a dia não se restringe à alimentação e, hoje, é considerado um estilo de vida por mais de 88 milhões de pessoas em todo o mundo, conforme indica a Sociedade Vegetariana Brasileira.
As vertentes sociais do veganismo são relevantes nos debates a respeito da crise climática no planeta e da produção exacerbada da agropecuária, por exemplo. Além disso, o veganismo também busca combater doenças modernas, como o câncer colorretal, que pode ser provocado pelo excesso de consumo de carnes vermelhas.
Por outro lado, as dúvidas sobre o tema ainda são pertinentes, principalmente em relação à dieta vegana, aos benefícios e às consequências para a saúde de quem decide adotar a causa. Para isso, convidamos a professora do departamento de Nutrição e Dietética da Universidade Federal Fluminense (UFF), Manuela Dolinsky, para esclarecer dúvidas, trazer dicas e reflexões sobre esse estilo de vida e as comidas veganas nos dias atuais.
Em resumo, o que é ser vegano?
Manuela Dolinsky: Ser vegano é adotar um modo de vida que busca excluir, na medida do possível e praticável, todas as formas de exploração e crueldade contra os animais — seja na alimentação, no vestuário, nos cosméticos ou em outras áreas do consumo. Na alimentação, o veganismo corresponde ao padrão vegetariano estrito, que exclui todos os alimentos de origem animal, como carnes, peixes, ovos, laticínios e mel. Mais do que uma escolha alimentar, trata-se de uma postura ética e ambiental, que reflete compromisso com o respeito aos animais, à sustentabilidade e à saúde humana.
Quais as diferenças entre o estilo de vida e dieta vegetariana e a vegana?
Manuela Dolinsky: O termo “vegetariano” abrange diferentes práticas alimentares: há ovolactovegetarianos (que consomem ovos e laticínios), lactovegetarianos, ovovegetarianos e os vegetarianos estritos, que excluem todos os produtos de origem animal. Já o veganismo vai além da alimentação — é uma filosofia de vida que busca evitar qualquer produto ou prática que envolva exploração animal. Em síntese, toda pessoa vegana adota uma dieta vegetariana estrita, mas nem toda pessoa vegetariana é vegana.
Quais são os principais benefícios de uma alimentação livre de produtos de origem animal?
Manuela Dolinsky: Diversos estudos e pareceres técnicos, incluindo o do Conselho Federal de Nutrição (CFN), apontam que uma alimentação baseada em plantas, quando bem planejada, pode ser nutricionalmente adequada e trazer benefícios para a saúde. Ela tende a apresentar menor teor de gorduras saturadas e colesterol, além de maior consumo de fibras, antioxidantes e compostos bioativos. Esses fatores estão associados à redução do risco de doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão e alguns tipos de câncer. Além disso, dietas vegetais promovem menor impacto ambiental, contribuindo para sistemas alimentares mais sustentáveis.
A dieta vegana pode ser acessível quando centrada em alimentos tradicionais e in natura. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
A dieta vegana pode ser muito restritiva, especialmente no início da adaptação. De que forma é possível atingir o equilíbrio e garantir os nutrientes fundamentais para uma vida saudável através da alimentação vegana?
Manuela Dolinsky: A adaptação inicial pode ser desafiadora, mas com orientação adequada é totalmente possível manter uma alimentação equilibrada e variada. A chave está na combinação de diferentes grupos alimentares: cereais, leguminosas, frutas, verduras, hortaliças, sementes e oleaginosas. Essas combinações garantem todos os aminoácidos essenciais e uma boa oferta de ferro, cálcio e zinco. Estratégias simples, como associar fontes de vitamina C (frutas cítricas, por exemplo) a alimentos ricos em ferro vegetal, aumentam a absorção desse mineral. O acompanhamento por nutricionista é fundamental, especialmente em fases da vida com maiores demandas nutricionais, como gestação, lactação, infância e envelhecimento.
Hoje, há uma crescente preocupação em relação ao consumo de proteínas na alimentação e esse argumento ainda é usado como contrário ao veganismo. Como a ciência tem respondido a essa preocupação? Quais são as alternativas eficazes para esse tipo de alimentação?
Manuela Dolinsky: A ciência já demonstrou de forma consistente que é possível atingir adequação proteica por meio de fontes vegetais. O importante é consumir variedade ao longo do dia — feijões, lentilhas, grão-de-bico, soja e seus derivados (tofu, tempeh), além de cereais integrais, oleaginosas e sementes. A qualidade da proteína vegetal é suficiente quando há diversidade alimentar e ingestão calórica adequada. A recomendação de proteína para pessoas veganas é semelhante à das demais, e pode ser alcançada com planejamento e orientação profissional, inclusive para atletas.
A suplementação de vitaminas e outros nutrientes é vista como fundamental para quem adota o veganismo. Até que ponto isso é verdade e quais cuidados são realmente necessários?
Manuela Dolinsky: A principal suplementação necessária é a de vitamina B12, que não é encontrada em fontes vegetais confiáveis. Dependendo das características individuais e das condições de exposição solar, também pode ser indicada a suplementação de vitamina D, ômega-3 de origem vegetal (EPA e DHA de algas), ferro, cálcio e zinco — sempre com base em exames e avaliação profissional. A suplementação, portanto, não é uma fragilidade da dieta, mas uma medida preventiva e segura para assegurar a adequação nutricional.
O veganismo já foi considerado um estilo de vida caro, mas o cenário tem mudado. É possível manter uma alimentação vegana acessível e saudável, sem depender dos produtos ultraprocessados?
Manuela Dolinsky: Sem dúvida. O veganismo se torna caro quando é baseado em substitutos industrializados de carnes e laticínios, que são ultraprocessados e têm alto custo. Entretanto, uma alimentação vegana tradicional, centrada em alimentos in natura — como feijão, arroz, mandioca, batata, legumes, verduras e frutas — é acessível e culturalmente compatível com a dieta brasileira. O preparo doméstico e o aproveitamento integral dos alimentos são estratégias que tornam o veganismo mais econômico e sustentável.
Condições graves ou doenças como o câncer de colorretal estão diretamente ligados ao sedentarismo e a ingestão excessiva de alimentos como a carne vermelha. Nesse caso, como uma alimentação vegana pode ajudar?
Manuela Dolinsky: A Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) classifica o consumo de carne processada como carcinogênico e de carne vermelha como provavelmente carcinogênico para o câncer colorretal. Uma alimentação vegana, rica em fibras, antioxidantes e fitoquímicos, contribui para a saúde intestinal, reduz inflamações e promove uma microbiota mais equilibrada. Assim, pode atuar como fator protetor, especialmente quando associada a hábitos saudáveis, como prática de atividade física, controle do peso corporal, não fumar e evitar o consumo de álcool.
O veganismo envolve também o respeito aos animais, ao meio ambiente e justiça social. Como essa filosofia se manifesta no cotidiano e influencia outros aspectos da vida, além da nutrição?
Manuela Dolinsky: O veganismo busca coerência entre valores éticos e práticas diárias. No cotidiano, manifesta-se em escolhas de consumo mais conscientes — evitando produtos testados em animais, preferindo roupas e calçados sem origem animal e apoiando sistemas alimentares locais e sustentáveis. Também há um componente de justiça social, ao questionar modelos produtivos que exploram trabalhadores e degradam o meio ambiente. Essa visão amplia a noção de saúde, integrando o bem-estar humano, animal e planetário.
Como o meio acadêmico pode contribuir com conhecimentos e debates sobre a dieta vegana e seus benefícios?
Manuela Dolinsky: A academia tem papel fundamental na produção de conhecimento científico de qualidade e na formação de profissionais capacitados. É necessário ampliar pesquisas sobre dietas baseadas em plantas, avaliar seus efeitos a longo prazo, suas implicações ambientais e sociais e elaborar materiais educativos que apoiem políticas públicas. A parceria entre universidades, conselhos profissionais e órgãos governamentais é essencial para promover o debate responsável e baseado em evidências, garantindo que o veganismo seja entendido como uma escolha possível, saudável e sustentável.
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Manuela Dolinsky é doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mestre em Nutrição Humana e graduada em Nutrição pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É Diretora do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) e Secretária Adjunta do Fórum dos Conselhos Federais de Profissões Regulamentadas e Membro do Comitê de Nutricionistas do Mercosul. Manuela é professora e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Alimentos Funcionais (GPeAF) do departamento de Nutrição e Dietética da Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora do Mestrado em Saúde Materno Infantil da Faculdade de Medicina da UFF.
Por Leticia Souza
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